Alguns poemas que fui encontrando em minhas leituras. A versão para o português é minha, a não ser quando assinalado. Naturalmente, não é uma tradução, pois não falo nem chinês nem japonês. Conheci esses poemas em inglês e espanhol, em diferentes versões, às vezes muito distintas umas das outras, e, do alto da minha ignorância, meu instinto de escritor me levou a ficar futucando, melhorando, brincando, ouvindo seu ritmo interno. Minhas versões, abaixo, com certeza já não tem mais nada a ver com os originais, mas significam muito pra mim. E me ajudam.
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Debaixo dos pés, o céu; por cima da cabeça, o chão.
Não existe nem dentro, nem fora, nem meio.
Uma pessoa sem pernas caminha.
Uma pessoa sem olhos enxerga.
A montanha do norte se mantem em silêncio,
Voltada para a montanha do sul.
Hanshan // China, século IX // verbete na Wikipédia
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Não há necessidade de atacar os erros dos outros
Não há necessidade de ostentar suas próprias virtudes
Aja quando for reconhecido
Retire-se quando for ignorado
Grandes recompensas querem dizer grandes provas
Palavras profundas se encontram com mentes superficiais
Pense no que ouviu
As crianças devem ver por si mesmas
Hanshan // China, século IX // tradução de Marcos Beltrão
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Comemos, cagamos, dormimos, acordamos.
Esse é nosso mundo.
Só o que temos que fazer depois
É morrer.
Ikkyu // Japão, 1394-1491 // verbete na Wikipédia
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A sombra do bambu varre as escadas,
Mas o pó não se levanta.
O luar penetra as profundezas do lago,
Mas não deixa traços na água.
autor desconhecido
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Eles se revoltam, eu fico imóvel.
Desejos me atiçam, eu fico imóvel.
Ensinam os sábios, eu fico imóvel.
Só me movo por conta própria.
Lu Yu // China, 1131-1162 // verbete na Wikipédia
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Budas despedaçados.
Espada sempre afiada.
Onde a roda gira,
O vazio range os dentes.
Shûhõ Myõchõ, mestre Daitõ Kokushi // Japão, 1282-1337 // Segundo a lenda, esse mestre passou seus últimos anos meditando na posição de lótus por ter uma das pernas aleijadas. Sentindo a morte chegar, ele quebrou a perna com as próprias mãos, assumiu a posição de lótus, escreveu as linhas acima e morreu ao desenhar o último pictograma. // fonte: Manual de Zen Budismo, de D.T.Suzuki
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velha lagoa
o sapo salta
o som da água
Bashô // Japão, 1644-1694 // verbete na Wikipédia // tradução de Paulo Leminski
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A cigarra. Ouve.
Nada em seu canto revela
Que está pra morrer.
Bashô // Japão, 1644-1694 // verbete na Wikipédia
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De mãos vazias, seguro a pá.
Ando a pé, montado no touro.
Cruzo a ponte, e ela flui,
Mas a água não.
Bodisatva Fudaishi // também conhecido por Jinie, Fu Ta-shih, Shan-hui // fonte: Introdução ao Zen Budismo, de D.T.Suzuki
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A morte existe,
Mas não há quem morra.
O sofrimento existe,
Mas não há quem sofra.
O feito existe,
Mas não há quem faça.
O nirvana existe,
Mas não há quem busque.
O caminho existe,
Mas não há quem siga.
Visuddhimagga, ou Caminho da Purificação, cap.16 // na Wikipédia
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Se você tiver um cajado,
Eu lhe darei um cajado.
Se você não tiver um cajado,
Eu lhe tomarei seu cajado.
Mumonkan, ou A Porta sem Porta, koan 44 // na Wikipédia // O Mumonkan (não sei qual é ou se existe um nome consagrado em português) já entrou na seleta lista dos três livros mais importantes da minha vida. Os outros dois são A Bíblia e Declínio e Queda do Império Romano. Todos os outros estão muito abaixo.
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Trinta raios convergem para o meio de uma roda
Mas é o buraco em que vai entrar o eixo que a torna útil.
Molda-se o barro para fazer um vaso;
É o espaço dentro dele que o torna útil.
Fazem-se portas e janelas para um quarto;
São os buracos que o tornam útil.
Por isso, a vantagem do que está lá
Assenta exclusivamente
na utilidade do que lá não está.
Tao Te Ching, capítulo 11 // escrito por Lao Zi // China, século VI AEC // naWikipédia // tradução de Waldéa Barcelos
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Para atingir um determinado objetivo,
você precisa tornar-se um tipo de pessoa.
Uma vez que se torne essa pessoa,
O objetivo não vai mais parecer importante.
Dogen // Japão, 1200-1253 // verbete na Wikipédia
Para aprender a morrer,
observe as cerejeiras,
observe os crisântemos.
Anônimo // Japão, c.1700
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Sem começo,
Sem fim,
A mente nasce,
Para lutas e dores,
e então morre.
O vazio é isso.
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Como o orvalho efêmero,
a aparição súbita,
ou o lampejo fugaz do raio
– mal aparece, já sumiu –
assim somos todos nós.
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A lua é uma casa
onde a mente é mestra.
Observe:
Só a impermanência dura.
Esse mundo também vai passar.
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Ir só.
Vir só.
Tudo ilusão.
Lhe ensinarei
A não ir nem vir.
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Queria oferecer
Algo pra você.
Mas no zen
Não temos.
Ikkyu // Japão, 1394-1491 // verbete na Wikipédia
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Abandone toda fala.
Nossas palavras expressam
mas não seguram.
Letras não deixam rastros,
mas revelam o ensinamento.
Dogen // Japão, 1200-1253 // verbete na Wikipédia
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Na estrada para Tien-tai
Cercado por dez mil montanhas,
Bloqueado, sem ter para onde ir…
Até chegar aqui,
não há como chegar aqui.
Uma vez aqui,
não há para onde ir.
Yuan Mei // China, 1716-1798
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No portão de pedra, há neve, e nenhum traço da jornada.
A neblina do vale dos pinheiros é cheia de fragrâncias.
Pássaros frios caem sobre as migalhas de nossa refeição no pátio.
Um robe rasgado balança nos galhos da árvore. O velho monge está morto.
Wei Ying-Wu // China, 736-830
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Os pássaros sumiram do céu.
Agora a última nuvem se escoa.
Sentamos juntos, a montanha e eu,
Até que resta apenas a montanha.
Li Po // China, 701-762
10 respostas em “poesia zen”
Muito lindo.Obrigada.Queria oferecer algo a você ,mas no zen não temos.
Gostei cada vez mais!
Agradeço imensamente por compartilhá-los!
Adorei!
Gratidão por compartilhar, muito lindo
[…] minhas poesias zen favoritas. […]
Demais!
lara, vc já leu a bíblia de cabo a rabo? é um livro sensacional!
Quantas pérolas, obrigadíssima por compartilhá-las.
Mas então… Explica isso da blíblia entre seus três livros mais importantes, queria muito saber ;)
são lindos… estou há dias meditando com o poema do dogen, sobre objetivos.