um dos grandes problemas das sociedades escravistas sempre foi como distinguir as pessoas escravizadas das livres. cada cultura resolveu o problema de um jeito: mudança de nome, tatuagem, marcar a ferro, vestimentas.
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na roma antiga, uma das maiores sociedades escravistas de todos os tempos, o problema era especialmente complicado.
não só as pessoas escravizadas poderiam ser de dezenas de cores e etnias por todo o império, como também havia um alto índice de manumissão e mistura com as parcelas livres e pobres.
para resolver o problema, conta sêneca em “tratado sobre a clemência”, um senador sugeriu que as pessoas escravizadas usassem um tipo específico de vestimenta.
ao que outro respondeu:
“então, andando pelas ruas de roma, bastaria que olhassem em volta para se dar conta de sua superioridade numérica.”
a ideia foi imediatamente abandonada.
os senadores romanos tinham muita fé na natureza humana.
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a cabeça raspada era associada à morte e à escravidão em todo o mundo, escreve orlando patterson. raspar o cabelo de uma pessoa escravizada simbolizava sua morte social e condição permanente de liminaridade, nem viva e nem morta, nem pessoa e nem objeto.
a escravidão negra nas américas, entretanto, a outra grande sociedade escravista da história, foi a exceção à essa regra.
afinal, em um continente onde os tons de pele eram tão variados e misturados, as pessoas escravizadas já traziam bem visível nos cabelos a marca da sua negritude.
raspá-los só ofuscaria a distinção.
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não é à toa que o cabelo das pessoas africanas foi chamado de “ruim”. pode um cabelo ser pior do que o cabelo que lhe marca como cativa e sub-humana?
nossa tarefa hoje é ressignificá-lo. um afro de cada vez.