em junho de 2000, minha irmã e eu estávamos procurando uma nova cachorra para nossa casa. então, uma amiga nos ligou: sua labradora dourada acabara de dar cria e ela guardara para nós a filhote mais linda, de olhos verdes. fomos buscá-la, nome já escolhido: esmeralda, como os olhos.
chegando lá, enquanto minha irmã conversava com a amiga e eu me jogava na grama entre os pingos de doce de leite, reparei em uma outra cachorrinha da mesma ninhada, que me encarava com os mais doces e lindos e profundos olhos castanhos que eu já vira. aquele olhar me conquistou.
levei a cachorrinha até minha irmã. ela também se apaixonou.
nossa amiga não entendeu: mas eu guardei pra vocês logo a de olhos verdes! a mais linda! labradora de olhos castanhos é muito comum!
não esses olhos, eu disse.
com certeza, não faltaram bons lares para os olhos verdes da esmeralda. mas quem levamos pra casa foi a sabrina.
os anos se passaram e o pingo de doce de leite logo se transformou em um tonel de doce de leite. sempre linda. sempre com aqueles olhos.
hoje, treze anos depois, sabrina está idosa e doente, como estaremos todas nós, se tivermos a sorte de chegar até lá.
quando soube os detalhes de sua grave condição de saúde, me lembro de ter pensado: meu deus, por que não sacrificam logo essa bichinha? essa é das maiores vantagens de ser cachorra e não humana. por que estender esse sofrimento?
mas, então, fui visitá-la.
mesmo magra e convalescente, mesmo sem conseguir comer pela boca e andando com dificuldade, lá estavam aqueles olhos. aqueles mesmos olhos. vivos, lindos, profundos, doces. olhos de quem ainda não desistiu. olhos de quem está na batalha. olhos de quem quer viver. olhos que não envelheceram. os mesmos olhos daquele pinguinho de doce de leite que me conquistou.
um dia, quando estivermos idosas e entrevadas, incapazes e enrugadas, a única lembrança que vai restar da criança que fomos um dia são nossos olhos. os mesmos olhos.
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para chamar atenção para o sexismo da nossa língua, o texto acima usa o feminino como gênero neutro.
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os olhos da sabrina se fecharam no dia 7 de outubro de 2013, aos 13 anos de idade, pouco menos de um mês depois de eu escrever esse texto.