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Os Leões do Caribe na Copa do Mundo de 1938

A história da única Copa do Mundo que Cuba participou, uma Copa entre muitas guerras.

A história da única Copa do Mundo que Cuba participou, uma Copa entre muitas guerras.

 

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Quando estoura a Guerra Civil Espanhola, em 1936, muitos cubanos jogavam no futebol espanhol: entre eles, Juan, no Barcelona, e Sebastián, no Real Madrid. Juan, socialista, se une aos republicanos, defendendo o governo contra os fascistas; Sebastián, conservador, se une aos nacionalistas, defendendo a fé católica contra o comunismo.

Fora dos campos, eles se encontram pela primeira vez na Batalha de Alcazar de Toledo. O Tenente Sebastián, tentando romper o cerco, é capturado pelos sitiantes republicanos. Mas o Tenente Juan o reconhece e grita: “¡Coño! ¿Vamos mesmo fuzilar o melhor mediocampista do Real Madrid?”

E a vida de Sebastián é poupada.

A Copa do Mundo de 1938 deveria ter sido disputada na Argentina, mas a Fifa decide realizá-la na França. Traídos e preteridos, os argentinos se recusam a participar. Em solidariedade, todas as outras nações do continente se unem ao boicote, menos o Brasil, que articulava sua candidatura para 1942, e Cuba, para quem seria sua primeira Copa. Ambos se qualificam por WO.

Juan e Sebastián, convocados para a seleção cubana, trocam a guerra pela concentração: depõem armas e voltam para casa. Mas são irreconciliáveis: Juan sustenta que salvou Sebastián inspirado pela solidariedade socialista, e Sebastián agradece a Juan por ter sido o instrumento de Deus para salvá-lo.

O primeiro jogo dos Leones del Caribe é uma batalha desesperada: Cuba ganhava de 2 a 1 quando, faltando dois minutos, sofre um gol de empate da Romênia. Na prorrogação, o desespero se repete: a Romênia sai na frente e Cuba só consegue chegar ao empate nos últimos três minutos. Placar final: 3 a 3. Na época, não havia disputa por penalidades: em caso de empate na prorrogação, realizava-se um novo jogo. Os romenos abrem o placar, mas os cubanos logo metem dois.

É a sua primeira, única e última vitória em Copas do Mundo.

Graças ao jogo-desempate inesperado, os cubanos têm poucos dias para descansar antes da partida seguinte. Já seus adversários suecos estão descansados: teriam enfrentado a seleção da Áustria na primeira fase, mas, três meses antes, o país é anexado pela Alemanha nazista e deixam ambos de existir, o país e a seleção.

Juan e Sebastián observam os dois primeiros jogos do banco de reservas. Agora, com os suecos chegando descansados, o técnico cubano quer jogadores também descansados: Juan e Sebastián finalmente entram em campo.

O jogo é uma zarzuela de erros. Não há entrosamento possível entre Juan, el Romperredes, e Sebastián, el Muro: o passe é interrompido, a bola é atravessada. Eles não se olham, perdem a bola, os gols se sucedem: Cuba perde de 8 a 0.

Juan culpa Sebastián. Sebastián culpa Juan. A torcida cubana culpa ambos. Eles se aposentam.

Passam-se alguns anos, travam-se outras guerras.

Em 1942, ao invés de sediar a Copa de 1942, o Brasil declara guerra ao Eixo. Dois anos depois, invertendo um padrão de meio milênio, os 25 mil homens da Força Expedicionária Brasileira que desembarcam na Itália são as primeiras tropas latino-americanas a intervir nos assuntos europeus.

Já Cuba nunca mais consegue participar de nenhuma outra Copa. Em meados do século XX, porém, essa será a menor de suas preocupações.

Diante da insaciável rapina estadunidense, Juan se radicaliza. Quando Fidel e Che desembarcam em Cuba para dar início à guerrilha na Sierra Maestra, Juan era um dos 83 tripulantes do iate Granma.

Diante do inexorável comunismo ateu, Sebastián se radicaliza. Aproveitando sua experiência na Guerra Civil Espanhola, entra para a polícia do ditador Fulgêncio Batista e começa a subir na carreira.

Fora dos campos, Juan e Sebastián se encontram pela segunda vez em 1957. Depois do fracassado ataque ao Palácio Presidencial, a polícia e o exército montam um cerco na tentativa de capturar os rebeldes em fuga. Em um dos pontos de bloqueio, o Sargento Sebastián, da Policía Nacional de Cuba, abre o portamalas de um Studebaker Commander e se depara com o rebelde Juan.

E a vida de Juan é poupada.

Poucos anos depois, a Revolução triunfa e a Policía Nacional de Cuba se transforma em Policía Nacional Revolucionária: Sebastián, da velha polícia, temeroso por sua vida, emigra para Miami; Juan, exultante pela vitória, é um dos primeiros a ingressar na nova polícia.

Fora dos campos, Juan e Sebastián se encontram pela terceira e última vez em 1961. Mil e quinhentos cubanos, aparelhados e organizados pelo presidente Kennedy, desembarcam nas praias Larga e Girón, na Baía dos Porcos, para derrubar a governo revolucionário. Juan está no batalhão da Policía Nacional Revolucionária enviado para defender a praia Larga; Sebastián, na Brigada de Asalto 2506 que desembarca na praia Girón. Em menos de 72 horas, a invasão fracassa.

Durante a batalha, não se encontram. Mas depois, enquanto o batalhão de Juan guarda os prisioneiros capturados, entre eles Sebastián, os velhos Leones del Caribe se reconhecem. Sebastián implora: “Você salvou minha vida. Eu salvei sua vida. Sei que estamos quites. Sei que você não me deve nada. Mas me salve do pelotão de fuzilamento.” Juan responde: “Continuamos quites. Você não me deve sua vida. Não há pelotão de fuzilamento. Vocês todos vão ser repatriados para os EEUU.”

23 anos depois da Copa do Mundo de 1938, Fidel Castro troca 1.189 prisioneiros por US$53 milhões em remédios e alimentos, e Juan e Sebastián nunca mais se reencontram.

Continuaram quites, morreram quites.

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Esse é um conto de ficção. Originalmente publicado na série Copa Brasileira de Letras, do UOL, em maio de 2018.

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