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Empregadas na piscina

É possível servir sem servilismo, varrer o chão com consciência cidadã.

A cena mais política e mais subversiva, mais bonita e mais inspiradora, mais inédita e mais surpreendente, da última imersão aconteceu depois do encerramento.

Ontem, fim de tarde. Acabou o evento, as participantes se beijaram e se abraçaram, e, assim, meio chacoalhadas e um pouco abobadas, foram todas embora.

E, então, a equipe da ecovila começou a cair na piscina.

A Geise e a Alda, que limparam. A Cris, que cozinhou. O David, que serviu. A Adriana, que coordenou.

Depois de todo um fim-de-semana servindo e atendendo aquele grupo de trinta pessoas vindas de dez estados brasileiros diferentes…

…agora estavam relaxando, ouvindo música, comendo e bebendo, nadando, rindo, aproveitando a vista do pôr-do-sol do deck da piscina.

E comecei a chorar, e chorei muito, de pura alegria.

Talvez elas não tenham entendido meu choro. Talvez tenham achado que estava chorando de felicidade por meu evento ter sido lindo. Não quis explicar. Tive medo de soar elitista, condescendente.

Sim, meu evento foi lindo.

Mas eu estava chorando mesmo pelo simples fato de elas estarem na piscina.

* * *

Quatrocentos anos escravidão deixaram em nós uma herança de servilismo e sinhozismo.

Não precisava ser assim.

Outros países, com outras histórias, demonstram que é possível servir sem servilismo, varrer o chão com consciência cidadã.

* * *

Em 2016, fui dos convidados estrangeiros da Bienal Internacional de Literatura de Cuba.

Todas nós, as pessoas escritoras, ficávamos em uma pousada meio afastada e, depois do café da manhã, um ônibus nos levava até a Bienal.

A faxineira, depois de limpar nossos quartos, tomava banho, se arrumava e, toda linda, peruaça e cheia de bijuterias, vinha tomar café conosco: puxava conversa, perguntava sobre literatura, falava de suas autoras favoritas.

Uma manhã, sabendo que eu era brasileiro, me pediu para contar alguma coisa sobre o meu país.

E contei que, no Brasil, aquela conversa que estávamos tendo era tristemente inconcebível.

Vocês conseguem conceber, em Paraty, durante a FLIP, na pousada oficial dos escritores, a faxineira se sentando para bater papo com as atrações nacionais e internacionais? Puxando conversa com o Rubem Fonseca, pedindo pro Ian McEwan passar o mel?

Se ousasse, seria demitida. Mas jamais ousaria, porque “sabe o seu lugar”.

Em outros países, porém, de Cuba a Suécia, as pessoas podem até trabalhar como faxineiras mas sabem que são cidadãs.

* * *

Mas, ontem, sei lá, Deus que me perdoe, me permiti ter um pouco de esperança pelo Brasil.

Uma resposta em “Empregadas na piscina”

Só hoje tive acesso aos teus textos e me deu pena do seu comentário final: “Mas, ontem, sei lá, Deus que me perdoe, me permiti ter um pouco de esperança pelo Brasil.”

Vi que foi escrito já depois do golpe contra Dilma, mas pouco antes da eleição do genocida. Deus não te perdoou… Mas espero que sua esperança esteja se renovando para o ano que vem.

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