Em qual momento você percebeu que o Brasil tinha enlouquecido?
Para mim, foi 16 de março de 2016.
Eu estava em Matanzas, Cuba, lançando um livro na Feira Internacional do Livro, e o Moro liberou os áudios de gravações ilegais entre um ex-presidente e a atual presidente.
Já havia uma crise política em andamento, naturalmente. Mas era uma crise política feijão com arroz, parecia a velha crise politica de sempre.
Então, isso!
(Naturalmente, o fato político relevante não foi o ato individual do Moro — juiz doido sempre existiu — mas metade do Brasil aplaudir e ele não ter sido imediatamente preso e execrado.)
Talvez, pra mim, tenha sido mais impactante por estar sozinho no exterior, único brasileiro entre centenas de editores, escritores, intelectuais, que vinham todos me perguntar:
“¿Que pasa en Brasil, Alejandro?”
E respondi que não sabia.
Que claramente tudo tinha mudado.
Que as regras antigas não se aplicavam mais.
Que, de agora em diante, tudo era possível.
Desde então, confesso, nada mais realmente me surpreendeu.
Enterrei ali meu estoque de surpresas.
E você? Quando foi?
* * *
Pode me contar. Eu quero saber. É só responder esse email. :)
* * *
Em qual momento você percebeu que a esquerda tinha enlouquecido?
(Pergunta que uma leitora me fez durante conversa sobre o texto acima.)
Percebi que a esquerda enlouqueceu quando grande parte da esquerda passou a achar normal e aceitável que pequenos grupos de pessoas dentro da esquerda se juntassem para atacar violentamente pessoas da própria esquerda por não usarem corretamente vocabulários recém-inventados, ainda não consolidados e em fluxo.
Esses ataques sempre aconteceram, mas teve uma hora que ficaram normais. (Em 2015? 16? 17?)
Que sempre havia dezenas de nós no paroxismo da indignação atacando coletivamente um aliado que que derrapou, e tudo bem. Era parte do discurso político. “Ele deveria ter pensando melhor antes de falar. Não tenho nada a ver com essa treta. Ainda bem que não foi comigo.”
Quando me dei conta disso, pensei:
“Enloquecemos. A esquerda enlouqueceu.”
* * *
Ênfase no verbo na primeira pessoa, por favor. A esquerda, entre muitos outros, sou eu. Estou falando de mim mesmo. Das minhas enormes limitações e dos meus muitos erros. Da minha intolerância e da minha omissão.
* * *
Quem não presta atenção está fadado a um eterno estado de espanto.
O mundo nunca é surpreendente. Só se surpreende quem não estava prestando atenção.