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o preço da liberdade

Um amigo bem-intencionado:

“Alex, se você continuar falando tudo o que passa na sua cabeça e fazendo tudo do seu jeito, você nunca vai ser bem-sucedido na vida.”

Eu: “Oras, falar tudo o que passa na minha cabeça e fazer tudo do meu jeito é minha definição de ser bem-sucedido na vida!”

* * *

Ainda o mesmo amigo:

Eu: “Mas, afinal, por que você tanto quer ser bem-sucedido?”

Ele:

“Você tem cada uma, Alex! Pra eu poder ter independência financeira pra não precisar mais medir minhas palavras ou puxar o saco do chefe, pra poder fazer o que eu quero do jeito que eu quero.”

Eu: “Bem, eu devo ter pulado uma etapa então, porque eu  vivo assim.”

* * *

Hora do meu amigo abrir os meus olhos:

Ele:

“Pô, Alex, às vezes você não tem idéia do efeito que causa nas pessoas. Eu conheço gente que acha esse seu jeito muito inconveniente, te evita, não te chama pras coisas. Isso não te incomoda?”

Eu: “Olha, quando eu era adolescente, eu também tinha esse medo de que ninguém iria gostar de mim. Então, me envolvi em política estudantil e, mesmo sendo gordo, feio e inconveniente, eu consegui ser amado por quase todo mundo, ter entrada em todos os grupinhos rivais e vencer todas as eleições que disputei. Mas, depois,me dei conta que era tudo vaidade sob o sol, como diria um outro amigo meu. De que adiantava puxar o saco e ser legal com tanta gente que não me importava? O que aquelas pessoas me acrescentavam? Um belo dia, eu parei de falar o que as pessoas queriam ouvir e passei a falar o que eu queria dizer. Uma multidão de malas se afastou, é verdade, mas outras pessoas incríveis começaram a se aproximar. E eu me dei conta: se existe tanta gente que vai me amar por eu ser do jeito que eu sou, qual é o sentido de me reprimir pra ser aceito pelas outros? O que eu devo a esses outros, afinal?”

Ele:

“Não deve nada. Mas ontem teve festa na casa do Paulo, sabia?”

* * *

Outro dia, no mercado em Nova Orleans, eu estava fazendo compras completamente descabelado (aliás, é por isso que gosto de cabelo curto, porque sempre esqueço de pentear) e eis que encontro outra amiga bem intencionada que, com uma sinceridade digna de mim, me avisou do meu pobre estado e ainda perguntou:

Ela:

“Como é que você se permite sair de casa assim, Alex?”

Eu: “Well, step number one is sincerely not caring about other people’s opinions. Once you have a good grasp of step one, the other steps just take care of themselves.” (“Bem, o primeiro passo é sinceramente cagar para a opinião dos outros. A partir do momento que você esteja firme e forte no primeiro passo, os passos seguintes se tomam sozinhos.”)

Desde então, ela tem estado fria comigo. Oras, a menina não estava nem um pouco errada, mas alguém que tem coragem de dizer o que ela disse, deveria mesmo ficar chateada com a minha humilde resposta?

Sinceridade é sempre boa indo; vindo parece que o povo não gosta.

* * *

Meu amigo bem-intencionado não desiste:

“Alex, não existe nada mais adolescente e imaturo do que querer fazer o que se quer na hora que se quer!”

Estranhamente, se não me falha a memória da minha adolescência e dos adolescentes que ensinei e ainda ensino, nada mais adolescente que querer ser aceito a todo custo. Naturalmente, indo mais longe, ambas atitudes são francamente adolescentes. Paradoxalmente, eu pergunto: e daí? Ser adolescente é ruim?

Toda criança é genial. Somos nós, os adultos, que perversamente as massacramos até extirparmos cada dose de individualismo e originalidade, para que se moldem ao que mediocremente chamamos de “o mundo”, “a vida”, “as coisas como elas são”, etc.

As pessoas mais interessantes que conheci tinham quinze anos de idade. E depois se tornaram adultos chatos e caretas, cheios de filhos e de dívidas, fazendo hora extra e colocando dinheiro no fundo de pensão, misturando viagra com tônico capilar, centrum com óleo de peixe.

Hoje em dia, meus amigos de infância me são um eterno alerta contra os horrores da vida adulta.

Aos 18 anos, eu era sério e responsável, presidente do grêmio e editor do jornal da escola, não fumava maconha e não comia ninguém.

Hoje, aos 38 anos de idade e com saúde perfeita, começo a viver, esperando não parar até morrer. Finalmente coloquei minhas prioridades em ordem: sou adolescente. Celebro a mim mesmo. Canto a mim mesmo.

* * *

Mas meu amigo ainda tem um trunfo na manga:

“Bem, é muito fácil viver assim se você não tem filhos!”

É verdade, tudo na vida é muito mais fácil se você não tem filhos – o que, aliás, é o principal argumento para NÃO ter filhos.

Minha vida é fácil? Comparada a do meu amigo, claro que é. Minha vida é fácil porque eu decidi não complicá-la tendo filhos e formando família. Minha vida é fácil porque eu abdiquei das vantagens de ser pai para não ter que sofrer as desvantagens. Minha vida é fácil porque eu, apesar de adorar crianças, não tenho um filhinho fofo pra eu ensinar a gostar de Senhor dos Anéis, mas também não tenho dívidas e hipotecas, não pago escola particular nem curso de inglês.

Se meu amigo decidiu conscientemente ter filhos e formar família, é porque encampou o desafio. Então, não vem dizer que a minha vida é fácil, não vem reclamar dos seus dois empregos, não vem reclamar dos preços de aparelhos ortodônticos. A escolha foi sua. Agora, aguenta.

* * *

Por fim, meu amigo balança a cabeça, põe a mão no meu ombro e diz:

“Isso tudo é muito bonito, Alex, e vai dar um bom post amanhã, mas a triste verdade é que, um dia, você vai pagar o preço.”

Um dia?! Ora, estou pagando o preço hoje. Só eu sei os colegas que alienei, as oportunidades que me negaram, as costas que me viraram. E só eu sei as aventuras que vivi, as mulheres que amei, os amigos que conheci. Pago o preço feliz e ainda sobra troco.

Já tracei meu caminho faz tempo: mais vale fracassar fazendo as coisas do meu jeito do que vencer só porque me anulei.

35 respostas em “o preço da liberdade”

Esse papo de filho impedir você de ser livre é desculpa esfarrapada. Tenho dois filhos, com certeza minha mobilidade fica reduzida um pouco por conta de considerações de escola coisa e tal, e não posso me dar ao luxo de ficar sem dinheiro e sem comida uma semana inteira, mas no geral continuo dizendo o que quero e saindo pra fazer compra de cabelo despenteado, sandália havaiana e bermuda descosturada. O preço da liberdade é querer pagá-lo, e ser criativo e persistente o suficiente pra encontrar as formas.

natalia, a liberdade é uma ilusão, sem dúvida. mas o que não é?

e pq vc acha q eu algum dia quis ser admirado?

o texto é pertinente e traz a reflexão de um grau de liberdade a mais. Mas indo mais além, a liberdade é uma ilusão…

desista de ser admirada. não vai acontecer. quando antes vc largar essa fantasia, melhor. a liberdade vem daí.

oi camila. pra começar, o texto fala explicitamente, especificamente que quem vive assim paga o preço de suas escolhas todos os dias. então, é meio estranho seu comentário. e dois, é óbvio que o limite da liberdade de uma pessoa fazer o que quer é o direito dos outros. isso é tão lugar-comum, e nossa convivência pacífica em sociedade depende tanto disso, que nem se menciona.

Olá Alex!
Seu texto é interessante, mas às vezes tive a impressão (talvez errônea) que você adula um tipo de liberdade do faço o que eu quero o tempo todo. Queira me desculpar se entendi errado. Na realidade, seu texto me lembrou o livro “Idade da Razão”, de Sartre, em que o personagem principal faz absolutamente tudo que quer, o que acaba por trazer inconvenientes às pessoas que coabitam com ele, já que as consequências de suas ações libertinas também influenciam a vida dos outros. Acho que ter liberdade é realmente viver e não morrer para os outros – como você mesmo falou – e seguir com o estabelecido, como casar, ter filhos, ganhar dinheiro, ter casa etc, mas acho importante nunca esquecer das consequências que nossas ações podem trazer para o mundo (o conceito de liberdade sartriana). Fiz esse comentário porque muitas pessoas atualmente julgam liberdade como fazer o que dá na telha, mas o que dá na telha às vezes pode poluir o meio-ambiente, contribuir para o aumento da violência e abuso infantil e outros tipos de problema (exemplo: fumar maconha, mas não perceber que ao comprá-la do tráfego se financia o tráfego). Enfim, acho que se notamos que uma ação afetará as pessoas de uma maneira não prejudicial, nenhum problema, mas para isso temos que julgar o que consideramos prejudicial para alguém (ex: um cara decidiu virar nudista e sabe que isso prejudicará a moral dos bons costumes, mas isso não é considerado prejudicial para ele, então ele vira nudista).

Gostei e concordo com o texto, mas fiquei incomodada com um pensamento. Mesmo na escolha de “ser eu mesma” sair descabelada, usar a roupa do meu jeito enfim, eu ainda busco inconscientemente ser “aceita/admirada” pq toda expressão do eu é ao outro… Pelas avessas, mas é… não deixa de ser. Só que a referencia não é a “da massa”… enfim, tô pensando ainda…

Adorei seu texto! Mesmo sendo casada, tendo uma filha, um cachorro, uma hipoteca… Foram minhas escolhas. Tenho orgulho delas! Diariamente cruzo com mulheres com mais de um filho falando “mas eu tive que ter mais, tinha que ter um irmão, tinha que vir uma menina” ou “estava na hora de casar aí casei com ele mesmo” e reclamam dos maridos, e reclamam dos filhos, e reclamam das contas… A vida sempre apresenta escolhas, mesmo quando a gente se vê em situações que não planejamos, gente como esse seu amigo (e as mães com quem eu convivo) não assumem as próprias e ainda criticam as dos outros… É triste que pessoas tomem decisões tão cruciais na vida baseados em “tá na hora” e “o que vão pensar de mim se eu não fizer”… Parabéns pela sua coragem! Parabéns também pelo texto!

Ótimo texto Alex,conheçi seu blog pelo PdH,e você é alguém que entrou pra minha lista de pessoas que eu deveria conheçer.

Nossa! Toda vez que a minha irmã reclama da vida difícil por ter 3 filhos ( e eu nenhum) eu falo a mesma coisa. Você quis ter, então não reclama!!!

‎”Minha vida é fácil? Comparada a do meu amigo, claro que é. Minha vida é fácil porque eu decidi não complicá-la tendo filhos e formando família. […] Então, não vem dizer que a minha vida é fácil, não vem reclamar dos seus dois empregos, não vem reclamar dos preços de aparelhos ortodônticos. A escolha foi sua. Agora, aguenta.”

OBRIGADA por isso.

Sou mulher e, consequentemente, uma fracassada por não ter filhos, ainda que não os tenha por não querê-los. Mas ler isso vindo de um homem é um alento!

poucas vezes vi uma explicação tão lúcida a respeito da maneira como decidimos viver nossas vidas . sinto que algumas pessoas ficam incomodadas em ver que é possível ser feliz sem ser tão igual, tão comum sem seguir o fluxo .

também tou numa fase (ou só o começo de uma permanência?) em que me arrepio ao ouvir o tal do “vencer na vida”, as façanhas do sujeito “bem-sucedido” e por aí vai a fila. quando te incomoda demais, das três, uma: você compartilha a angústia com amigos/as parecidos/as, você despeja tudo na sala da terapia ou então lê, assiste, escuta coisas como esse texto. no meu caso, tudo tem valido a pena!

Sempre é bom renovar o estoque de argumentos em relação a uma decisão ou outra (no caso do texto, a primeira). E sempre gosto de ver outras perspectivas, outros pontos de vista, ainda que da mesma opinião.
No fim, é tudo isso, né? “O preço a se pagar”. Se ainda tem um troco e se é feliz assim, melhor. Mas ainda fico abismada com quem não se toca que é isso, tudo na vida tem um preço. Seja a moeda de troca dinheiro, tempo, lazer, saúde, imagem etc.
Alguém disse que já tá quase despedindo o terapeuta. E eu digo que seguido já discuti teus textos com a minha, hehe! :)

ai ai. eu explico. vamos lá.

o texto é ficção. esse diálogo, como foi descrito aqui, não existe. esse amigo não existe. eu e vc aliás tb não existimos. estamos na matrix, gerando eletricidade para energizar as máquinas.

mas, sim, tudo o que me foi dito aqui já me foi dito várias vezes por várias vezes, só não tudo de uma vez só.

ai, ai.

Esse seu amigo existe mesmo, ou foi parte da criação do seu texto? Tudo bem que no texto ele é o ponto forte onde te dá a chance de falar tudo o que foi dito aqui. Mas duvido um pouco que muitos tenham coragem de dizer o que ele disse, apesar da grande maioria estar aí: Com o olhar profundamente confiante em ser mais uma cópia, mas com o coração murcho por não ter uma vida mais autônoma e por ter largado grandes sonhos e histórias durante sua trajetória.

Gostei do texto, achei ele levemente maniqueísta, mas confesso ter me identificado. Essa busca pelo que se acredita talvez seja com o que vc irá “pagar” um dia. E posso te dizer que é um preço maravilhoso a ser pago. O custo benefício é incrível.

Abraço!

“Toda criança é genial.” Sei não; quando criança, eu era um palerma, completamente embotado. Deve ser por isso que sou o que sou hoje.

Realmente, as pessoas tem que parar com isso de olhar para o outro tomando as medidas a partir de sua própria consciência, gostos, escolhas, corpo, etc. Só assim eles podem dizer “Eu te amo” com uma remota chance de ser verdade.

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