Categorias
zen

História de um celular

Quinta feira, 8 de novembro de 2018, perdi meu pai.

Um monge zen estava acompanhando uma pessoa enferma.

Em um dado momento, a pessoa ficou agitada, apreensiva, nervosa.

O monge lhe deu a mão e disse:

“Pode ficar tranquila. Está tudo seguindo seu curso. Não há nada a temer. Você só está morrendo.”

* * *

Essa história me inspira, acalenta, conforta.

Quinta feira, 8 de novembro de 2018, perdi meu pai.

* * *

Passei vários anos sem celular.

Meu pai, lutando contra um câncer desde 2010, ficava indignado. Era um absurdo. Eu tinha que ter celular.

E se o seu pai moribundo sentir a morte chegando e quiser ligar para o filho para se despedir?, dizia ele, nem um pouco dramático.

E eu respondia que ele mandasse email ou ligasse pro fixo, já que eu estava sempre em casa.

Finalmente, cedi. Disse que se ele me comprasse um aparelho (não smartphone!!) e pagasse a conta, eu carregaria ele comigo.

E assim foi.

Basicamente, só quem ligava era a Namorada e meu pai.

Em agosto desse ano, depois de esgotar todos os tratamentos no Brasil, meu pai partiu para um tratamento experimental na Espanha.

Então, numa sexta de manhã, eu acordando na casa da Namorada, me liga a enteada do meu pai, dizendo que ele passou muito mal em Madri e que as médicas mandaram chamar a família.

Em poucas horas, eu estava num avião. Passei a semana com ele no hospital. Quando estabilizou, conseguimos trazê-lo de volta pra casa.

Ontem, morreu, aqui no Rio, sem dor, sem agonia, dormindo, cercado por toda família, a melhor morte que uma pessoa pode ousar desejar.

Hoje de manhã, olhando para o celular, eu disse para a Namorada:

“Pois é, fiquei anos carregando essa maquininha infernal no bolso, porque meu pai queria poder ligar do seu leito de morte e se despedir, e ele nunca ligou.”

E disse ela:

“É, mas se você não estivesse com essa maquininha infernal, a enteada dele não teria te encontrado, você não teria ido pra Espanha, talvez ele não tivesse nem conseguido vir morrer no Brasil.”

Então, ok. Valeu a pena.

Obrigado, pai.

Uma resposta em “História de um celular”

Oi Alex. Meus sentimentos pela perda. Um pouco atrasado…
Te acompanho desde os tempos de Cruz Almeida. Me lembro de um de sus textos onde falava do seu pai, descendo a Serra de Petrópolia a mil por hora. Me identifico. E não tenho celular, mas e-mail e telefone fixo
Grande abraço!.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *