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entropia

eu, que vou morrer, os saúdo, que também vão morrer

somos todos seres inexistentes que, por um acaso, existem. mas não por muito tempo.

nossa falta de tempo é nossa dádiva.

a historinha abaixo formava a primeira parte do conto quando morrem os pêssegos, do meu livro onde perdemos tudo. foi cortada por entregar fácil demais o tema do conto.

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conta a fábula que um homem estava andando pela mata quando foi atacado por uma onça. ele correu o máximo que pôde e chegou, por fim, a beira de um abismo. no fundo, em um rio, nadavam jacarés esfaimados. atrás dele, a onça se aproximava.

o homem decidiu pular e agarrou-se a um pequeno galho, na parede do penhasco. sobre sua cabeça, a onça rugia de frustração e, abaixo, os jacarés se agitavam, esperando sua queda. com sorte, pensou, conseguiria se aguentar o bastante para que a onça desistisse. depois, tentaria escalar o penhasco de volta.

estava sem sorte. o galho salvador era frágil e começava a ceder sob seu peso; em poucos instantes, se quebraria. não havia onde mais se segurar. na água, os jacarés se animavam.

percebeu, então, uma fruta na ponta do galho, uma jaboticaba de fim de estação. apenas uma. ele pegou a bolinha reluzente por entre os dedos e colocou-a na boca. chupou seu néctar. uma delícia.

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termino o ano de 2012 simplesmente, completamente, head-over-heels apaixonado pela Outra Significativa.

histórias assim nunca têm um final feliz. ou eu termino com ela. ou levo o pé na bunda. ou eu morro. ou ela morre. ou morremos os dois. ou o brasil é tragado pelos oceanos. ou o sol explode. sempre tem alguma merda na próxima esquina.

mas, enquanto isso, antes da queda, pendurados no galho, a gente se diverte.

a jaboticaba está deliciosa.

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estatisticamente, dos meus dez mil leitores habituais, dois vão morrer em 2013.

meu desejo é que não seja nem você e nem ninguém que você conhece.

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outro desejo: que você não seja nunca a pessoa chata que escreveria um comentário pra corrigir a estatística acima, que é claramente um número inventado para fins estilísticos por um autor que mal sabe aritmética.

falando nisso, que deixe de ser a pessoa cri-cri que se incomoda – e pior, corrige! – os erros de português dos outros.

e, nessa linha, que aprenda a não se deixar mais incomodar pelos outros.

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para você, meu desejo de fim-de-ano é que os outros, esse dito inferno sartreano, ao invés de fonte de dor-de-cabeça e aporrinhações, se convertam em fonte infindável de histórias, de sentimentos, de maravilhas.

que, através dos outros, perceba que pode ser uma pessoa melhor, mais bonita, mais humana.

que saia um pouco de si e escute mais, enxergue mais, perceba mais.

que perceba que a vida é muito curta para correr atrás da felicidade e simplesmente viva.

somos todos seres inexistentes que, por um acaso, existem. mas não por muito tempo.

nossa falta de tempo é nossa dádiva.

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esses temas são desenvolvidos nas prisões felicidade, os outros e, especialmente, religião.

leia também só tecido morto não dói e você não tem tempo.

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gostou? meus textos fazem diferença na sua vida? compre um livro ou faça uma contribuição. e eu te agradeço.

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muitos conhecem a frase latina “ave, césar, os que vão morrer te saúdam” dita pelos gladiadores ao imperador romano. poucos conhecem a resposta do imperador cláudio, registrada por suetônio:

ou não.

eu, que vou morrer, os saúdo, que também vão morrer

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estamos todos pendurados no galho. a questão é se você está saboreando as frutas.

feliz ano novo.

6 respostas em “eu, que vou morrer, os saúdo, que também vão morrer”

O fim do texto, o próprio texto, é o Wildeano “we’re all in the gutter, but some of us are looking at the stars”, que eu não teria percenido se não fosse o seu jeito de formular a frase! Valeu!

Ai meu Deus, eu tinha esperança que ele jogaria a jabuticaba pra onça, que se distrairia, aí ele subiria, dava uma leve paulada na onça (o suficiente pra ela ter um pequeno desmaio) e fugiria!!! Assim, todos sobreviveriam. Onça, homem, e jacarés!

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