Categorias
textos

doze anos

se não estou feliz, é importante que alguém, em algum lugar, esteja.

doze anos atrás, vivi um dos melhores fins-de-semana da minha vida, nas areias brancas e águas quentes de alter-do-chão, uma das praias mais lindas do brasil, no meio da amazônia, apaixonado, feliz, transando feito um louco com a mulher com quem passaria o resto da minha vida. e enquanto arrumava minha mala pra voltar pro rio, feliz, com todo meu futuro pela frente, herbert vianna sofreu um acidente de ultraleve que matou sua mulher e o deixou sequelado para sempre. e foi um momento agridoce tapa-na-cara pé-no-chão, porque herbert é da minha terra, usa óculos e adora ska como eu, acompanhei sua carreira, fui testemunha do seu enorme amor pela lucy e, agora, assim, de repente, enquanto eu transava apaixonado nas águas do tapajós, puff. acabou-se herbert&lucy. e fiquei tristíssimo mas ainda mais decidido a viver a minha vida, correr atrás da minha felicidade, vencer a distância, ser feliz com a mulher que eu acabara de escolher e que acabara de me escolher de volta. porque o tempo passa. e, enfim, inevitavelmente, como ele sempre faz, o tempo passou. nunca mais vou ser tão feliz como naquele fim-de-semana, porque o primeiro amor, de quando a gente ainda não foi ferido pela vida, de quando ainda não temos dúvidas nem traumas, não tem igual, não se repete. a vida guarda outras infinitas felicidades, e também é uma delícia o amor maduro entre dois veteranos sem-ilusões calejados nas guerras do coração, mas o primeiro amor, esse só acontece uma vez. eu fui feliz. aproveitei até o talo. casei, amei, me separei. herbert vianna, antes desenganado, hoje já voltou até a cantar. e eu, continuei sempre amigo da ex-mulher. na verdade, irmãos. ela sempre será a família-que-escolhi. faz três anos, cruzei o mundo para passar o mês com ela no timor-leste. há poucos dias, fui encontrá-la de novo em alter-do-chão e, depois, subimos o amazonas de barco até manaus – acompanhados de minha atual companheira e de seu atual companheiro. enquanto isso, como se fechando um ciclo, herbert vianna ganhou na justiça uma indenização do fabricante do ultraleve, contrariando os boatos de que tinha matado sua mulher por imperícia e incompetência, por estar fazendo malabarismos imaturos em seu brinquedinho de roqueiro rico. mas não, era o ultraleve que derretia no calor forte, e herbert agora vai mostrar aos filhos a prova de que não foi ele o culpado pela morte de mãe. e assim doze anos se passaram. e, por incrível que pareça, estamos quase todos aqui, um pouco mais velhos e barrigudos. até que, um dia desses, quando se passarem outros doze anos, teremos ficado em algum ponto do caminho, mas pessoas continuarão amando e se encontrando, e no dia em que eu morrer, de susto, bala ou vício, quem sabe na casa ao lado ou no quarto em frente, algum casal de tolinhos também vai estar se amando e também vão achar que é pra sempre, e, sabe qual é?, vai ser mesmo, até acabar. e então, vai ser pra sempre de novo. e de novo. e são pensamentos assim que me possibilitam a vida. porque hoje eu já chorei muito, pela morte de uma criança que nem conheço num bairro onde nunca nem fui. a única coisa que vence a morte é a vida: se não estou feliz, é importante que alguém, em algum lugar, esteja.