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Desperdício

Quanta vida desperdiçada, quanta vida reprimida, quanta vida adiada… para trabalhar mais, para ralar mais, para se vender mais… e tudo isso pra quê?

Em junho, enquanto minha rua explodia em uma guerra civil, a vida me levou, pela primeira vez, a visitar o shopping Village Mall, o mais luxuoso do Rio de Janeiro, palco de lojas como Apple, Cartier, Tiffany, etc.

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Em um dado momento, a pessoa que estava comigo perguntou:

“Alex, você, que já foi rico, que já teve coisas de lojas como essas, como se sente voltando aqui, agora, nessa sua vibe irmão zen minimalista?”

E eu olhava para cada um desses produtos, pensava em tudo que se sacrificou para comprá-los, e me invadia uma tristeza absurda.

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Quanta vida desperdiçada, quanta vida reprimida, quanta vida adiada… para trabalhar mais, para ralar mais, para se vender mais… para poder comprar aqueles produtos inflacionados, o vestido de quinze mil e o sapato de cinco mil, o expresso de vinte reais e o cinema de cinquenta… tudo para manter identidades de pessoas ricas e elegantes, sofisticadas e diferenciadas, capazes de pagar quinze mil num vestido e cinco mil num sapato, vinte num expresso e cinquenta num ingresso… e tudo isso pra quê?

village mall

* * *

Meu encontro As Prisões: Exercícios de Atenção começou durando apenas duas horas. Depois, de maneira orgânica e natural, foi crescendo, até se expandir para o dia todo. Mesmo assim, não era o suficiente: ao final do dia, mesmo exaustas, as pessoas diziam que tinha sido muito rápido e continuavam querendo mais. Por isso, criei as Imersões, que duram um fim de semana inteiro.

O encontro tem um preço sugerido de duzentos reais, mas dou gratuidade para todo mundo que pede. O preço é flexível e negociável: as pessoas-mecenas me sustentam para que ninguém precise pagar pelos frutos do meu trabalho.

Ninguém precisa pagar, mas todo mundo tem que ficar o dia inteiro.

(Naturalmente, podem sair a qualquer momento — senão, é sequestro — mas ninguém pode entrar depois de começar e nem voltar depois de sair.)

Ainda assim, poucas pessoas vêm regatear o preço do evento: muitas, entretanto, vêm regatear a duração do evento:

“Aaah, é o dia inteiro? Não é muita coisa? O dia inteiro não posso. O dia inteiro não dá. Posso chegar mais tarde? Posso sair mais cedo?”

As pessoas não resistem a ficar dias, semanas, meses, anos, décadas inteiras em instituições de ensino, estudando o que não querem, e, depois, dias, semanas, meses, anos, décadas inteiras no escritório, fazendo o que não querem, e todo esse esforço de uma vida inteira para obter dinheiro, para obter objetos, para obter prestígio, e, no fim, construir uma identidade fugaz que vai se desfazer ao vento….

Mas um dia inteiro ouvindo outras pessoas, saindo de si, chacoalhando certezas, ah, isso sim é intolerável.

“Pô, Alex, não rola ficar só duas horinhas?”

 

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