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causa mortis: incompetência

antigamente, a morte era nosso destino humano. agora, transformou-se no nosso fracasso pessoal.

antigamente, morria-se.

a morte, as doenças, a decadência do corpo eram simplesmente inimigos poderosos demais. morrer não era uma derrota ou um azar: era triste, era terrível, era algo a ser evitado a todo custo, mas também era parte da vida.

hoje, não mais. você é que não comeu alimentos orgânicos o suficiente, não se exercitou a contento, não parou de fumar antes dos trinta, se estressou demais. a culpa é nossa: se tivéssemos somente feito tudo o que nos mandam as revistas de saúde (menos ovo nos anos pares, mais ovo nos ímpares) iríamos viver para sempre — como tem de ser! mas fomos fracas, ó vida ó azar, e por isso estamos aqui nessa cama de hospital, ao pé da morte.

pior ainda, a miragem do progresso eterno e irresistível nos promete sempre a solução de todos os problemas, logo ali, na próxima esquina, basta a gente conseguir chegar lá. então, pegar um câncer terminal é não apenas culpa do seu estilo de vida irresponsável mas também, coitado de você, bad timing! que azar! a pfizer está testando agora, hoje mesmo, a droga que poderia te salvar, mas só chega no mercado ano que vem! deu na superinteressante que cientistas de harvard garantem que esse seu tipo de câncer estará erradicado em dez anos, pôxa! se você tivesse comido mais alfafa, caramba, teria aguentado chegar até lá e aí então, claro, não morreria nunca!

afe!

tive a melhor vida que poderia desejar. fiz tudo o que quis na hora que quis. não tenho arrependimentos. não tenho nenhuma palavra por dizer a ninguém.

meu maior medo não é morrer, pois sei que existência tem começo, meio e fim, mas fraquejar e morrer como um bebê chorão. lamentando não ter comido mais anti-oxidantes.

5 respostas em “causa mortis: incompetência”

Sensacional! Estou em busca de uma vida sem arrependimentos. Se não for sem arrependimentos, que ao menos eles não me doam. Assim quando olhar para trás possa sentir orgulho de tudo que experimentei, aprendi, vivi!

Eu não acredito em nada do que me dizem (as pessoas,as revistas, os jornais, etc). Nada mesmo! A minha verdade é minha, é um produto fabricado por mim, cuja composição leva, claro, tudo aquilo que me disseram, mas também tudo aquilo que eu gosto, vejo, sinto, vivencio…

Acho que daqui a pouco eu morro…mais brindando com um chopp pela vida maravilhosa de churrascos argentinos. cerveja e alfajores que comi e compartilhei com todos os que eu amo (e não amo)!

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