Cassandra

Por ela ter se recusado a transar com ele, a profetisa Cassandra recebeu do deus Apolo a seguinte maldição:

1) que suas profecias estariam sempre corretas e

2) ninguém nunca acreditaria nelas.

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Mas uma profecia é um pensamento ou um ato?

Um profecia é um conhecimento ou uma afirmação?

Em que momento uma profecia passa a ser uma profecia?

Uma profecia nunca-articulada é uma profecia?

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Digamos que Cassandra soubesse, em sua mente, que o Brasil ganharia a final da Copa do Mundo e, então, para driblar a maldição, profetizasse em voz alta que a vitória seria da Argentina.

Como a maldição de Apolo é que as pessoas nunca acreditem nas profecias de Cassandra…

Em qual profecia as pessoas não acreditariam: na profecia verdadeira, vitória do Brasil, nunca enunciada e à qual não tiveram acesso, dentro da cabeça de Cassandra, ou à profecia falsa, vitória da Argentina, que ouviram ser articulada verbalmente?

A Bolsa de Apostas de Londres daria como favorito o Brasil ou a Argentina?

Em outras palavras, qual era a margem de manobra que Cassandra ainda possuía para atuar como agente político e mudar a realidade?

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Mas e se:

a) Cassandra soubesse, em sua cabeça, que a vitória seria do Brasil;

b) para vencer a maldição, profetizasse em voz alta que a vitória seria da Argentina;

e então…

c) como foi amaldiçoada a estar sempre certa em suas profecias, esse seu mero enunciado profético tivesse o poder, por si só, por sua própria articulação, de mudar a realidade e fazer que a Argentina ganhe uma final de Copa do Mundo que estava destinada a perder?

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Pior, o que a pobre Cassandra poderia concluir disso? Como saber com certeza?

I) Será que sua intuição profética original estava certa e o Brasil iria mesmo ganhar?

II) Será que sua intuição profética original estava certa, o Brasil iria mesmo ganhar, mas a força da maldição moldou a realidade para dar vitória à Argentina?

III) Será que sua intuição profética original estava errada, a vitória teria sido sempre da Argentina e, na verdade, não havia nem nunca houve nem maldição e nem profecia, e Apolo estava somente trolando com Cassandra?

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Talvez Cassandra esteja sempre certa não pela maldição, mas por ser uma mulher perceptiva, observadora, de bom senso.

Talvez as pessoas nunca acreditem em Cassandra não pela maldição, mas por nunca darem ouvidos à mulheres.

Talvez Apolo tenha sido o Deusomacho que inventou o gaslighting, transformando uma invicta profetisa em uma mulher desesperada que duvida dos seus próprios dons proféticos.

Não é à toa que em toda sua iconografia Cassandra está sempre arrancando os cabelos.