a caminhada do privilégio é um exercício para tornar mais visível e mais palpável a distribuição desigual de privilégios em nossa sociedade.
o exercício começa com um grupo de pessoas, de pé, lado a lado. em seguida, são feitas perguntas relativas aos seus privilégios. dependendo de quais privilégios tiveram acesso, as pessoas dão passos à frente ou atrás.
nos meus encontros, tenho realizado uma versão brasileira desse exercício. quando possível, faço a atividade em uma escada ou ladeira, para que o resultado fique ainda mais graficamente concreto.
o vídeo abaixo ilustra bem o processo:
as pessoas que vêm aos meus encontros já são todas, em larga medida, bastante privilegiadas. mesmo assim, ao final do exercício, aquele grupo de pessoas privilegiadas que começou ombro a ombro está todo espalhado.
uma ilustração concreta das distâncias que nos separam.
abaixo, algumas das perguntas que faço, sempre em constante mutação.
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perguntas que revelam privilégios
1. se você consegue dar um passo à frente, dê um passo à frente
2. se tem plano de saúde particular, dê um passo à frente.
3. se pode viajar por conta própria pelo mundo sem sofrer restrições legais, e sem sentir medo de assédio ou violência sexual, dê um passo à frente.
4. se demonstra afeto por seu companheiro ou companheira em público sem sentir medo de ridicularização ou violência, dê um passo à frente.
5. se suas pessoas ancestrais vieram ao brasil escravizadas, dê um passo atrás.
6. se as pessoas que lhe criaram tiveram que trabalhar à noite, nos finais de semana ou em dois empregos para sustentar a família, dê um passo atrás.
7. se já teve que escolher entre carreira e ter filhos/filhas, dê um passo atrás.
8. se nunca recebeu diagnóstico de doença mental ou deficiência mental ou física, dê um passo à frente.
9. se veio de um ambiente familiar que lhe apoiava em seus projetos e ambições, dê um passo à frente.
10. se o bairro onde mora ou cresceu tinha alta incidência de crime ou tráfico de drogas, ou já foi invadido e ocupado pelo poder público, dê um passo atrás.
11. se já teve que mudar seu sotaque ou modo de falar para ter mais credibilidade, dê um passo atrás.
12. se seguranças de estabelecimentos comerciais lhe seguem, dê um passo atrás.
13. se a sua orientação sexual é utilizada como xingamento, dê um passo atrás.
14. se usa o banheiro no qual se sente mais confortável, dê um passo à frente.
15. se encontra facilmente roupas para o seu tamanho, dê um passo à frente.
16. se o seu comportamento (e, em especial, seus erros) são raramente atribuídos ao seu gênero, dê um passo à frente.
17. se pode legalmente se casar com a pessoa que ama, dê um passo à frente.
18. se precisou de bolsa para custear seus estudos em uma universidade particular, dê um passo para trás.
19. se já foi a única pessoa de sua raça em uma sala de aula ou num local de trabalho, dê um passo atrás.
20. se acha que nunca perdeu emprego ou oportunidade somente por seu gênero, dê um passo à frente.
21. se passa ao menos uma parte do mês no cheque especial, dê um passo atrás.
22. se o seu pai participou ativamente da sua criação, dê um passo à frente.
23. se já ficou desconfortável com um comentário sobre sua aparência, mas não sentiu segurança para confrontar a situação, dê um passo atrás.
24. se teve que trabalhar para ajudar família durante ensino médio ou superior, dê um passo atrás.
25. se se sente confortável de andar por conta própria pelas ruas dos bairros onde vive e trabalha, dê um passo para frente.
26. se o nome no seu documento de identidade é o nome com o qual você se apresenta às pessoas, dê um passo à frente.
27. se já sentiu como se não existisse uma representação verdadeira da sua orientação sexual na mídia, dê um passo atrás.
28. se nunca teve um apelido baseado em sua raça, dê um passo à frente.
29. se já conseguiu emprego por amizade, parentesco ou indicação pessoal, dê um passo à frente.
30. se havia mais de cinquenta livros na casa onde cresceu, dê um passo à frente.
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o privilégio é um contínuo
uma possível definição de privilégio: uma faceta do nosso dia a dia que nos parece naturalizada e normativa, sobre a qual nunca pensamos porque sempre contamos com ela, mas que faz uma falta aguda e pronunciada às pessoas que não dispõem dessa vantagem.
uma mulher cisgênero e heterossexual, por exemplo, não conta com várias “vantagens” masculinas que, para os homens, são tão naturais que nunca nem pensam nelas, como falar sem ser interrompida em uma reunião de negócios ou ter a temperatura do ambiente de trabalho sempre regulada para o seu conforto pessoal.
por outro lado, do ponto de vista de pessoas trans* e homossexuais, essa mesma mulher dispõe de vários privilégios com os quais elas apenas sonham, como usar o banheiro que se encaixa com sua identidade de gênero e passear de mãos dadas nas ruas com a pessoa com quem tem um relacionamento amoroso.
o contínuo de privilégios de uma sociedade complexa como a brasileira é tão complexo quanto ela.
cada uma de nós existe em ponto diferente, fluido e mutável, desse mesmo contínuo de privilégios.
(desenvolvo esses temas em meu texto Prisão Privilégio.)
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culpa, responsabilidade, narcisismo
depois da caminhada, sentamos todas para conversar.
muitas pessoas ficam surpreendidas.
algumas porque sempre tinham se pensado como privilegiadas e se surpreenderam ao ver que foram ficando para trás.
outras porque nunca tinham se pensado como privilegiadas e se surpreenderam ao ver que estavam disparando na frente.
muitas também relatam um forte sentimento de vergonha: às vezes, vergonha por dar passos atrás e ficar pro final, às vezes vergonha de dar passos à frente e ficar no começo.
invariavelmente, a discussão acaba caindo na questão da culpa. uma imensa culpa por nossos privilégios, revelados assim tão concretamente.
mas essa culpa, além de ser falsamente atribuída, não leva a nada.
não somos culpadas por nossos privilégios. eles são resultados de ações tomadas muito antes de nascermos. só devemos sentir culpa ou não por aquilo que de fato fazemos.
nada poderia ser mais narcisista do que a infinita masturbação mental de passar horas e horas girando em torno de nossos próprios egos, remoendo nossas falas e atos, e nos martirizando por privilégios que não criamos.
ao invés de culpa, prefiro falar em responsabilidade.
se a culpa é paralisante, a responsabilidade é energizante.
nós, as pessoas privilegiadas, não somos culpadas dos crimes da nossa sociedade outrofóbica, machista, racista, elitista, homofóbica, transfóbica, intolerante.
mas, como beneficiárias desses crimes, temos a responsabilidade de ajudar. de nos tornar parte da solução e não do problema.
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exercícios de empatia
a caminhada do privilégio é um dos exercícios de empatia que realizo nos meus encontros por todo o brasil.
conheça os outros exercícios de empatia.
saiba quando e onde serão os meus próximos encontros.
fale comigo para realizarmos esses exercícios em sua cidade ou organização.
5 respostas em “caminhada do privilégio”
[…] visualizar de maneira mais prática os privilégios que nos separam, recomendo assistirem a esse vídeo da “caminhada dos privilégios”, feito pelo escritor Alex […]
Olá, tenho interesse em saber o autor e o artigo que deu inicio a esta dinâmica.
oi Alex, obrigado pela experiência compartilhada? Posso replicar com meus alunos no curso de Relações Públicas?
Faltou uma questão que consta no vídeo original do Buzzfeed e que considero muito importante: “Se você cresceu sentindo vergonha da sua casa ou das suas roupas, dê um passo para trás.”
Olá, Alex!
Muito obrigada por compartilhar seu conhecimento, em primeiro lugar…
Adorei esse teste e gostaria de contar com o seu aval para aplicá-los na primeira fase do curso de direito no qual leciono para discutir a desigualdade e a falácia da meritocracia com os calouros.
Agradeço de antemão e conto com você!
Obrigada,
Rosa