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a vergonha de doisneau

alguém pediu para seguir doisneau pelas ruas de paris e observar seu método de fotografia. ele recusou. disse que teria vergonha que vissem quantas vezes ele passou pela foto perfeita e nem se deu conta, somente para voltar correndo, dez segundos ou cinco minutos depois, e ainda ter que implorar para completos estranhos fazerem de novo, para a câmera, o que tinham feito naturalmente pouco antes.

mas quantas pessoas não passaram pelas mesmas cenas que doisneau? quantas ideias geniais não temos todo dia?

a marca do grande artista é justamente saber quando voltar.

les coiffeuses au soleil, 1966
les coiffeuses au soleil, 1966

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para quem está no rio: a exposição “simplesmente doisneau” está no centro cultural justiça federal até 24 de junho de 2012. a entrada é franca. a informação acima foi retirada do documentário “robert doisneau: tout simplement” (2000), de patrick jeudy, que pode ser assistido na mostra.

3 respostas em “a vergonha de doisneau”

Estou lendo a biografia do Cartier-Bresson escrita pelo Pierre Assouline e o Doisneau aparece em alguns momentos interessantes. Em um deles, o autor compara o equipamento (ops!) fotográfico dos dois: HCB utiliza a então nova Leica, leve, prática e que utiliza os mesmos filmes de 35mm do cinema.

Doisneau não gosta de máquinas como a Leica porque o fotógrafo encara diretamente o objeto da foto, coisa que acha uma intrusão. Assim, ele usa a velha Rolleiflex, que reflete a imagem a ser fotografada no topo da máquina, de modo que o fotógrafo realiza a foto olhando para baixo, para sua própria barriga.

Cartier-Bresson também acha que encarar o objeto da foto seja uma intrusão. Pior, ele admite que é um roubo. Por isso ele sempre detestou estar na frente da câmera. Mas, atrás dela, se considera um ladrão e, por isso, “rouba” as imagens na cara-dura.

É, penso sempre nisso: nas ideias que tenho e são perdidas porque as tive em lugares impróprios, e não consegui retê-las na lembrança, restando uns traços fugidios, pálidos diante do que me pareceram as formas originais. Daí não conseguir ser um artista: quando volto, tá tudo mudado, e meu olhar atônito e bestalhão é incapaz de ver o novo como algo que não uma maldita pá de calna epifania de merda que tive antes.

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