Uma piada budista, em inglês:
The Dalai Lama walks into a pizza place and says,
“Make me one with everything.”
* * *
Um apresentador de TV tentou contar essa piada pro Dalai Lama e ele não entendeu nada:
Esse artigo, em inglês, lista todos os pressupostos culturais e linguísticos que se precisa compartilhar pra entender essa piada. (São muitos.)
* * *
Explicando para quem não entendeu:
Um dos objetivos do budismo é, digamos, “ser Um com o Todo”, buscar uma união com a totalidade das coisas.
ou seja, “be One with everything”.
Nos EUA (e aqui, e na Austrália, etc), tem pizzarias onde você pode escolher os toppings das pizzas, podendo inclusive pedir todos.
A graça da piada é que o pedido do Dalai Lama na pizzaria
(“make me One with everything”)
pode ser entendido tanto como
(budista) “faça-me Um com o Todo”
ou
(pizza) “me faz uma com tudo”
* * *
Você entendeu a piada? Riu?
Eu ri (aliás, cada vez que releio, rio de novo), mas não é porque eu sou mais inteligente que você: estudo budismo, adoro pizza, morei por quase uma década nos EUA e falo inglês fluentemente – a piada, por exemplo, não funcionaria em português ou, presumo, com quem fala inglês bem mas sem vivência nos EUA.
De certo modo, o ouvinte ideal dessa piada sou eu. E devo ser mesmo, porque não paro de rir.
* * *
Uma variação (bilíngue) da piada:
Em Nova Iorque (digamos), um monge zen-budista chega em uma carrocinha de cachorro-quente e pede:
“Make me One with Everything.”
Paga com uma nota de dez dólares, e fica esperando o troco.
Depois de alguns minutos, nada.
O monge então pergunta:
“Where is my change?”
O vendedor responde:
“Change comes from within.”
* * *
Em teoria, o humor é simples: você cria uma expectativa, e depois a subverte.
Para o humor poder existir, são necessários uma série de pressupostos culturais coletivos, compartilhados por humorista e público que, convenhamos, muitas vezes são sim outrofóbicos, machistas, homofóbicos, racistas.
A piada “sabe como afogar uma loira? coloca um espelho no fundo na piscina!” só funciona porque tanto humorista quanto plateia “sabem” que loiras são fúteis, vaidosas e burras. Se não compartilhassem esse “conhecimento”, não é nem que a piada não seria engraçada: ela faria tão pouco sentido que não seria nem mesmo coerente enquanto narrativa.
(No vídeo acima, dá pra ver que a tal piada budista faz tão pouco sentido pro Dalai Lama que ele nem mesmo consegue perceber que ela já acabou.)
Naturalmente, por esse mesmo motivo, o humor é sempre local: para pessoas de outras culturas, com outros pressupostos culturais compartilhados, a historinha também não faria sentido – pois não teriam a chave pra decodificar a piada, ou seja, que loiras “são burras, fúteis e vaidosas”. (Aliás, naturalmente, não são.)
* * *
Na minha Carta Aberta às Humoristas do Brasil, eu desenvolvo essas ideias.