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Walt Whitman

Uma vez, me perguntaram quais eram meus três poetas favoritos. A resposta: Whitman, Whitman, Whitman.

Uma vez, me perguntaram quais eram meus três poetas favoritos. A resposta: Whitman, Whitman, Whitman.

folhas de relva whitman

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Um livro só pra mim

Walt Whitman talvez seja meu melhor amigo.

Sei que ele não me conhece, sei que ele morreu há mais de cem anos, sei que apoiou as políticas mais imperialistas de sua época, mas é difícil não imaginar que ele escreveu “Canção de mim mesmo” diretamente pra mim, só pra mim, pra mais ninguém, e que todas as outras pessoas leram de enxeridas.

No momento em que mais precisei, quando a minha vida estava pronta para uma reviravolta, foi Walt Whitman quem me deu o último pontapé na direção desejada.

Ler o velho Walt me energiza. É como se eu enfiasse o dedo na tomasse e sentisse meu corpo se energizando às ondas — eu também canto o corpo elétrico, Walt.

Obrigado.

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Só vira adulto quem mata o pai

Fernando Pessoa dizia que só conseguiu encontrar sua voz de poeta depois de travar luta de morte contra Walt Whitman.

Whitman é infinitamente melhor do que Pessoa. Nada que Pessoa escreveu chega aos pés de “Canção de mim mesmo”.

Mas isso não é demérito algum. Poucas coisas jamais escritas chegaram aos pés de “Canção de mim mesmo”.

O que importa é que Pessoa lutou o bom combate até o fim.

E nos deu as poesias de Alberto Caieiro, que não são de se jogar fora.

(Cito Pessoa de memória. Não consegui achar essa citação. Se alguém sabe onde está, agradeço.)

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Vamos todas morrer

Assim como todas as pessoas, não consigo acreditar que EU vá realmente morrer.

No meu caso, é uma consequência lógica de não conseguir acreditar que uma pessoa capaz de escrever o hino à vida que é “Canção de mim mesmo” pudesse simplesmente, puff!, deixar de existir.

Mas, se por acaso for verdade, se Walt Whitman (!) tiver mesmo morrido (!!), se até David Bowie pode ter um câncer e morrer…

Então, sinto muito, é porque todas nós vamos morrer também.

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Voltei ao Brasil por Walt Whitman

Em 2011, eu larguei um doutorado, uma carreira, um emprego nos EUA e voltei pro Brasil, com a mão na frente e outra atrás, sem nada por aqui.

Muita gente me perguntou:

“Mas Alex, POR QUE você vai voltar?!”

Minha resposta, escrita na época, foi a seguinte:

Eu vou voltar porque, um dia, um homem que pra mim é como se fosse um deus inalcançável, uma figura mítica e sobre-humana, escreveu assim:

Eu me celebro e eu me canto

E o que presumo você também vai presumir

Porque cada átomo que pertence a mim também pertence a você.

Vagabundeio e convido minha alma,

À vontade, vagabundeio e me inclino para observar uma haste de grama do verão. …

Eu, agora com trinta e sete anos e em perfeita saúde, começo,

Esperando não parar até morrer.

(“I celebrate myself, and sing myself, / And what I assume you shall assume, / For every atom belonging to me as good belongs to you. // I loafe and invite my soul, / I lean and loafe at my ease observing a spear of summer grass. … / I, now thirty-seven years old in perfect health begin, / Hoping to cease not till death.”)

E por mais que eu saiba, com uma certeza religiosa, que esse homem não morreu nunca, nem vai morrer jamais, porque ele está aqui, comigo, hoje, eu também sei que ele sofreu um derrame paralisante dezoito anos depois de escrever essas palavras, e viveu o resto dos seus dias inválido.

E eu, hoje, também com trinta e sete anos, também com a saúde perfeita, também planejando não parar até morrer, sei que vai chegar o dia do meu derrame, infarto, câncer, glaucoma. Pois se até esse homem morreu, que esperança eu posso ter? Ele escreveu essas linhas e teve mais dezoito anos. Eu, quantos anos terei?

A vida é curta. Se, no dia do infarto, eu tiver sido escritor (mesmo que fracassado, medíocre, deslido) mas não doutor, minha vida vai ter valido a pena. Se não tiver sido escritor mas sido doutor renomado, crítico celebrado, professor festejado, autor de diversos e sensacionais estudos sobre a obra dos outros, estudos esses escritos em detrimentos da minha, vou morrer triste, desgraçado, fracassado.

Eu sou escritor. Minha língua é o português. Meus leitores estão no Brasil. Minha casa é o Rio. Cada segundo que passo longe é um segundo desperdiçado.

Tenho trinta e sete anos, em perfeita saúde, e não tenho tempo a perder.”

* * *

Depois de escrever essas palavras, seis anos atrás, eu já desenvolvi hipertensão, diabetes, gota, gastrite.

Mas passei esses seis anos ganhando a vida como escritor e, resultado tangível dos meus esforços, publiquei quatro livros, um deles no exterior.

Esperando não parar até morrer.

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Qual edição utilizar?

Walt Whitman escreveu apenas um único livro, Folhas de Relva, lançado em 1855 e contando 12 poemas.

Depois, ao longo de sua vida, foi lançando novas edições expandidas desse mesmo livro, acrescentando muitos poemas, tirando outros, mexendo tudo de lugar, etc.

A última edição, lançada em 1892 e apelidade de “edição do leito de morte”, contava 383 poemas.

No Brasil, felizmente, temos tradução de ambas as versões:

— Uma edição bilíngue da primeira edição, traduzida por Rodrigo Garcia Lopes, e lançada pela Iluminuras;

— Uma edição da “edição do leito de morte“, traduzida por Bruno Gambarotto, e lançada pela Hedra (que lançou a minha Autobiografia do Poeta-Escravo).

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O melhor Whitman, o mais poderoso, o mais original, o mais iconoclasta, é o jovem Whitman de 1855. Não é que não tenha escrito poemas incríveis depois disso (escreveu muitos) mas nenhum chega aos pés da “Canção de mim mesmo” original.

(Nas revisões para as edições seguintes, Whitman diluiu um pouquinho até mesmo a força da “Canção de mim mesmo”, acrescentando conteudo chauvinista e muitos outros pecadilhos.)

Por isso, recomendo fortemente que leiam a primeira edição, de preferência, se conseguirem, no original em inglês.

No Brasil, a primeira edição tem o bônus adicional de ter sido publicada numa edição bilíngue, traduzida por um poeta e com notas e aparato crítico excelentes.

Depois, quando se apaixonarem por Whitman (reparem que eu não escrevi “se”), leiam todos os poemas da edição do leito de morte.

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Minhas edições de Walt Whitman

Leaves of grass. The first (1855) edition. Londres: Penguin, 1986. [Ed: Malcolm Cowley, 1959.]

Leaves of grass. Deathbed edition, 1892. NY: Signet, 2000.

 

Uma resposta em “Walt Whitman”

Tenho um carinho bem especial por Whitman, lido na vida na adolescência mas e que pulsou e fez sentido ao começar a vida adulta e tudo que esperam que façamos dela.Whitman criou uma forma bela, cínica e provocativa de lembrar aos seus leitores de que estão vivos e que a vida precisa fazer sentido.Não para os outros.

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