ninguém escreveu sobre sexo e liberdade, amor e alegria, como roberto freire. ele é meu mestre e um dos grandes inspiradores das prisões. abaixo, os trechos que mais me marcaram de suas obras mais libertárias.
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de “sem tesão não há solução” (1987):
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a felicidade é uma prisão:
“algumas das principais características da alma burguesa no regime capitalista são seus desejos, seus sonhos e suas promessas de felicidade. … em todos os sistemas políticos autoritários sempre se foi buscar a promessa de felicidade como algo a compensar aqueles que, pelas injustiças e violências desses próprios regimes, são obrigados a viver na miséria, na fome, no sofrimento físico e moral. …
em nossa forma de organização política, fica para mim evidente que a felicidade pessoal é produto direto e inevitável da infelicidade social. e mais: parafraseando proudhon, estou seguro de que assim como a propriedade, toda felicidade pessoal é também um roubo. …
existem pessoas cujo desejo de ser feliz as torna insensíveis e indiferentes à infelicidade geral que o acúmulo excessivo de dinheiro nas suas mãos está produzindo. …
o amor tem se demonstrado, através dos séculos e em todos os regimes políticos autoritários, tão impotente quanto incompetente para realizar os sonhos de felicidade da maioria das pessoas. …
esse tipo de prazer [o prazer consumista e possessivo dos poderosos] pode ser realmente considerado felicidade? refiro-me à felicidade fruto da compra pura e simples, da apropriação indébita e da expropriação autorizada e impune, como aquela do ladrão que rouba de ladrão. …
a grande decepção dos amantes que buscam a felicidade (estado de prazer permanente, institucionalizado) através do amor é produzida pela sua incapacidade em aceitar que, como todas as coisas vivas, o amor também tem um começo, um meio e um fim. …
a felicidade [é] algo impossível de se atingir sem a deformação biológica e psicológica do ser humano e, mesmo quando isso é realizado, não se trata de prazer saudável e libertário o que se conseguiu, mas, exatamente, a sua contrafação: o poder autoritário e patológico. logo, definitivamente, a felicidade é uma coisa impossível de ser alcançada. em verdade, acho que ela não existe e nem é, sequer, necessária. penso mesmo que sua ideologia deve ser fortemente combatida tanto como estratégia política ou como delírio religioso e patológico, produzidos ora pela fome e ora pelo desespero, tanto pela miséria quanto pela carência amorosa, mas sempre, em quaisquer situações, manipulados pela paranóia autoritária do poder.
afirmo que o sonho capitalista burguês de felicidade deve ser combatido de forma constante e efetiva, seja no plano político ou no plano psicológico, porque a sua ideologia nasce de pessoas incapacitadas para qualquer tipo de opção livre e que já se submeteram, voluntária ou involuntariamente, a uma vida de incompetência e de impotência orgástica vital. assim, a esperança de vir um dia a ser feliz transforma-se, para eles, numa espécie de droga que os torna dependentes.”
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a tirania da família tradicional:
“todas as atitudes das mães burguesas, as duplas linguagens, são todas justificadas como amor, quando na verdade são castradoras e repressoras. conheço casos de pais que batiam nos filhos dizendo que faziam isso para evitar que os filhos apanhassem da polícia. então a família, como a vejo atualmente, nada mais faz que formar pessoas para um mundo autoritário, onde o poder se apresenta das mais variadas formas dentro das mais diversas instituições. …
a família existe não só para garantir a reprodução da sociedade burguesa através da difusão do autoritarismo, mas também para manter funcionando — e como correia de transmissão e de suporte do capitalismo — a propriedade privada. o papel da família é tão forte neste sentido que seus membros acabam por se julgar proprietários uns dos outros. adquire-se o mesmo medo compulsivo de perder o outro, menos pela necessidade do amor e mais pela ‘tranqüilidade psicológica’ que ser proprietário (ou propriedade) nos dá. …
é que nessas relações de poder instaladas na família é que nascem os sintomas neuróticos. se queremos tratar a pessoa precisamos fazê-la consciente de que isto teve origem naquela luta de poder, no autoritarismo familiar. a pedagogia realizada via autoritarismo ou então a pedagogia feita via chantagem afetiva. esse tipo de atividade familiar gera a doença mental. quando fazemos a terapia não tentamos curar a pessoa daqueles mecanismos repressores da infância que não têm mais jeito, pois ficam marcados indelevelmente em suas vidas. vamos tratar o que a pessoa aprendeu de autoritarismo tipo família burguesa, porque ela vai produzir uma família igualzinha.”
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estamos acostumados a viver de migalhas de amor:
“amor e liberdade são duas necessidades semelhantes e paralelas, uma não vai sem a outra. assim, na sociedade burguesa e capitalista ninguém viverá o amor inteiro e completo, simplesmente porque nela ninguém vive o mínimo de liberdade que permitiria isso. tragicamente, o ser humano se habituou a viver migalhas do amor, porque na sociedade capitalista há uma regra infalível: quem ama não fica rico.”
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essas pessoas doentes que vivem as vidas que lhes mandaram viver:
“eu sou terapeuta e posso dizer que 80% dos meus clientes têm problemas psicológicos por não estarem fazendo o que gostariam de fazer. as pessoas fazem, convencidas pelas suas famílias, o que o meio social prefere; isto de fazer o que é imposto provoca nessas pessoas um grande sofrimento, que muitas vezes estoura fora do trabalho, estoura em sexo, em agressividade, em equilíbrio mental. observando estes casos você vai ver como a forma de vida dessas pessoas é imprópria para elas. numa sociedade como a nossa, com esta família autoritária e cumpridora das normas do estado, as pessoas sensíveis, cujo projeto de vida não está dentro do que espera o meio social, sofrerão muita repressão; e esta é uma repressão muito danosa, pois é castrativa. uma pessoa que não faz o que precisa fazer, tende a adoecer, perde, no mínimo, a identidade e o auto-respeito.”
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essas pessoas loucas que fazem o que querem fazer:
“[a pessoa que faz o que quer fazer] vai enfrentar uma luta duríssima, pela qual a maioria das pessoas é derrotada. porque se por um lado ela faz o que a família e o estado querem, será um castrado. se, por outro lado, vai lutar e fazer o que quer, se sentirá marginal. ela passará por imensos sacrifícios de vida e vai acontecer aquela coisa dolorosa e triste que a gente vê com muitos artistas e intelectuais no país, que é viver à margem e impotente. agora, se a pessoa consegue superar este vínculo psicológico e consegue não desperdiçar muita energia neste vínculo e jogar tudo naquilo que tem de original e único, eu posso afirmar com convicção que ela se torna absolutamente vitoriosa no meio, e o sistema passa a necessitar dela. só que nem todas as pessoas, por comodismo, estão dispostas a esta luta. eu acho que isso não se restringe à profissão. eu também estou falando de liberdade. uma pessoa que não sabe lutar pela sua liberdade de ser ou pela sua forma de amar, jamais vai poder lutar em sua profissão. a primeira coisa que eu recomendo a um jovem é ser marginal. é ser neurótico. nunca a fazer terapia. eu sou um terapeuta que não recomenda a terapia pra ninguém. enlouquecer é muito melhor que sobreviver a qualquer custo. só há dois tipos de loucura: a loucura branca (que é a luta) e a loucura negra (que é a entrega). qualquer um que esteja lutando e querendo as suas coisas passa por louco. mas esta loucura eu acho sadia. eu só faço terapia com a loucura negra. pego as pessoas que estão se entregando e tento trazê-las para a luta de novo. quanto ao louco branco, eu quero mais é que ele faça terapia em mim, que me ensine a lutar desse jeito. … você tem de se empenhar, você tem de lutar muito. é preciso muita coragem para viver só de nossa originalidade. o tesão e a energia para essa luta vêm da ideologia do prazer.”
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sobre os perigos de tornar-se livre:
“falo para a pessoa que sua terapia é perigosa e explico o porquê. porque você vai desenvolver nessa pessoa atitudes revolucionárias, antiburguesas. então ela realmente vai ter de passar por perigos maiores. ela poderá provavelmente ter de romper com laços que são antigos. terá que refazer a vida familiar, rever seu casamento e seu amor para ver se não é repressivo, ver o que há de autoritário nessas relações. tudo isso é feito com dor, não só na gente, mas nas outras pessoas que estão acostumadas ao relacionamento anterior e vão sofrer com as mudanças. então a gente precisa ter muito peito para levar isso adiante. quando chega ao fim é maravilhoso, porque essas pessoas começam a se libertar, a produzir, e fica visível a utilidade da terapia.”
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para terminar, viver é arriscado:
“não busco segurança, eu busco o risco, é arriscando que encontro prazer na vida.”
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de “ame e dê vexame“ (1990):
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declaração do amante anarquista:
“porque eu te amo, tu não precisas de mim. porque tu me amas, eu não preciso de ti. no amor, jamais nos deixamos completar. somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários.”
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essas tais pessoas que nos completam:
“em minha inocência e ignorância, eu atribuía a algumas pessoas o poder de liberar, produzir, fazer exercer-se e se comunicar o amor em mim e de mim. esse amor pertencia, pois, exclusivamente a essas pessoas, ficando eu delas dependente para sempre. se, por alguma razão, me deixassem ou não quisessem mais produzi-lo em mim, eu secava de amor e — o que é pior — ficava em seu lugar, na pessoa e no corpo, uma sangrenta ferida, como a de uma amputação, que não cicatrizaria jamais.”
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os obstáculos ao amor livre são externos, não internos:
“o ciúme, sentimento natural nas relações amorosas, transformou-se em instrumento do poder a partir do momento em que o homem passou a se sentir proprietário da terra, do que ela produz, dos animais e, depois, dos outros homens. …
a dificuldade para a realização plena do amor entre as pessoas não é um problema do amor em si, mas do ambiente social, dos preconceitos, do moralismo laico ou religioso, do autoritarismo, da luta de classes, dos interesses econômicos e políticos. …
quando o amor acaba por ele mesmo, quando existe incompatibilidade entre as personalidades dos amantes, suas reações à perda não chegam nunca ao desespero trágico dos desfechos produzidos de fora para dentro, do social para o pessoal, do desamor geral contra o amor possível. …
numa sociedade autoritária como a nossa, sermos o que somos, deixarmos o nosso amor ser o que ele é sem dúvida alguma é a coisa mais difícil de se realizar. por outro lado, é a mais emocionante também porque, uma vez vencida a barreira neurótica de origem política, passamos a nadar a favor da correnteza da vida e do amor.”
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nossos instintos são contrários à educação repressora e possessiva que recebemos:
“parece ser muito difícil e arriscado para os jovens conciliar seus impulsos e desejos libertários com a realidade dos resíduos da formação burguesa em si mesmos e nos parceiros. esses resíduos, estimulado pelo ambiente social, opõem-se radicalmente aos impulsos e desejos libertários, parecendo aos jovens impulsos e desejos também naturais quando, na verdade, não passam de deformações de caráter incutidas pela educação autoritária e capitalista que receberam e que estimula neles o desejo de poder e só lhes dá segurança na apropriação, na dominação, tanto no plano material quanto no afetivo. … a gravidade e a seriedade do amor burguês apenas escondem o objetivo de transformá-lo em instrumento de poder.”
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o verdadeiro amor não é egoísta:
“quando se ama, não se está pensando em segurança, duração, controle, posse, pois isso corresponde à forma com que o autoritarismo capitalista familiar ou de estado se expressa no plano pessoal e afetivo. se sou um libertário, desejo que tanto eu quanto o meu parceiro vivamos o amor em liberdade, na emoção, no espaço e no tempo.”
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saber respeitar a liberdade da outra pessoa:
“para mim essa é a maior descoberta: quando o parceiro desiste de nos seguir nessa viagem, por medo dos riscos ou porque descobriu melhores companheiros para viajar, aprendi a aceitar, embora de início a contragosto, o seu direito a essa liberdade (como a desejo igualmente para mim).”
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a dor da perda é parte da vida:
“a dor pela perda de alguém que se ama … é um tipo de dor perfeitamente suportável e superável, porque é apenas dor de perda, coisa a que temos de nos habituar estando sujeitos permanente e impotentemente ao jogo limpo, porque natural, entre a vida e a morte. porém, quando se sabe que o jogo não foi limpo, mesmo aquele entre a vida e a morte (perda de alguém que se ama por acidente ou crime), é algo quase insuportável e, às vezes, insuperável.”
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não é vergonha amar de forma diferente:
“descobri … não ser vergonha nem humilhação alguma não viver de forma machista, não querer morrer de amor e nem precisar enlouquecer e matar meu objeto de amor de tanto ciúme. finalmente, me sentia capaz de sofrer toda a dor possível no amor sem envolver a morte nisso. estava, assim, podendo sentir a dor do ciúme sem precisar perder a razão nem destruir a mim e aos outros. enfim, eu já estava preparado para me defender dos riscos de aprisionar o amor, e não dos riscos do próprio amor. …
agora, felizmente, acredito estar podendo sentir meu ciúme à vontade, sem tirar a liberdade de ninguém, porque desejo ter essa liberdade de gozar e de sofrer o meu amor como bem entender ou precisar. o mais difícil, e é só isso que me faz falta aprender antes que seja tarde demais, é guardar só para mim a dor do ciúme e não utilizá-la como instrumento para ferir e chantagear quem, no exercício pleno de sua liberdade, preferiu, ao meu, outro tipo de amor.”
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essas pessoas de bem, de caráter, coerentes…
“fritz perls tem uma frase de que gosto muito: “deus me livre das pessoas de caráter.” é que as pessoas de caráter são únicas, não mudam, não evoluem, têm obsessão pela coerência. e a vida não é assim. na vida você tem de aparentar muita incoerência para poder viver todos os seus lados. eu me sinto uma incoerência só, hoje em dia. e assim vivo muitas experiências, amo de mil maneiras mil pessoas, e sigo o que a natureza me impõe.”
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queremos a liberdade de poder experimentar todas as formas de amor:
“a natureza nos deu toda uma gama de possibilidades de exercer o amor que vai da genitalidade à espiritualidade. é muito bom poder viver toda essa gama de possibilidades amorosas com toda a gama de possibilidades de pessoas que vamos encontrando por aí…”
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amor livre e responsabilidade:
“cada um tem o direito de usar o seu corpo da maneira que lhe der mais prazer e poder atender assim a seus impulsos naturais. importa é que todos os atos humanos sejam de inteira responsabilidade de quem os pratica.”
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medo, vergonha e sacrifício:
“o anarquista somático não se sacrifica por nada e por ninguém, simplesmente porque nada ou ninguém precisa disso. todo sacrifício é feito com segunda intenção, é um pacto de mediocridade, algo que se cobra com juros bem altos. logo, a ideologia do sacrifício é fruto do autoritarismo. …
não há nada mais incômodo, desagradável e perturbador para uma sociedade autoritária, e sob a ideologia do sacrifício, do que um homem alegre. a alegria é uma agressão e ofende porque provoca inveja e rompe pactos de mediocridade. o homem saudável é revolucionário e alegre. a beleza pode ser, ao mesmo tempo, raiz e fruto do prazer. só o prazer nos dá (com o contraponto da dor) o sabor da vida. …
“[o] pacto de mediocridade: não serei sincero com você; em paga, não seja sincero comigo, assim encobriremos nossas verdades e o fracasso da relação não será atribuído a ninguém. enfim, um jogo medíocre, doente, neurótico, nivelando as pessoas por baixo e boicotando a dinâmica e a liberdade no amor. …
o medo é o contrário do orgasmo. sem vexame não há tesão. sem tesão não há solução.”
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para terminar:
“ser livre é muito mais difícil do que alcançar o prazer sexual.”
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obrigado, roberto. por essas palavras.
obrigado, vanessa, amiga e amante querida, por ter me apresentado a roberto freire, entre beijos e orgasmos, em 2002.
4 respostas em “roberto freire”
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