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minhas leituras, comentadas, em setembro & outubro de 2015

leituras comentadas de setembro e outubro: górki, daniel dennett, nietzsche, svetlana alexievich, milgram & outras.

setembro foi um mês que passei na estrada, em são paulo, em belo horizonte e no inhotim. li pouco, quase que somente livros para a prisão liberdade, que estou lutando para escrever.

* * *

para relaxar, li alguns quadrinhos da estante da minha anfitriã paulista, fernanda de cápua.

cachalote, de daniel galera e rafael coutinho, 2010, português. 20set15.

dinâmica de bruto, de bruno maron, 2012, português.

vida de prástico, de ricardo coimbra, 2014, português. set15.

ricardo coimbra é um dos grandes cartunistas em atividade hoje.

* * *

durante a imersão “as prisões” de sete de setembro, li essa deliciosa antologia de literatura russa do século xix editada pela hedra, editora do meu livro autobiografia do poeta-escravo.

os russos, de púchkin, gógol, dostoiévki, tolstói, tchekhov e górki, 2015, russo. (tradução: vários; organização: luis dolhnikoff)

excelente antologia. eu colocaria menos puchkin (que, como me contam os amigos russos, é tipo guimarães rosa, não traduz bem) e mais turgeniev.

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estou lutando para escrever a prisão liberdade, mas os últimos meses têm sido difíceis para mim. enquanto não junto forças para escrever, vou lendo livros específicos sobre o assunto.

freedom evolves, de daniel dennett, 2003, inglês. 17set15.

free will, de sam harris, 2012, inglês. 17set15.

free will, a very short introduction, de thomas pink, 2004, inglês. set15.

a theory of freedom: from the psychology to the politics of agency, de phillip petit, 2001, inglês. 18set15.

darwin’s dangerous idea: evolution and the meanings of life, de daniel dennett, 1995, inglês.

todos foram úteis para o meu objetivo, mas o único que eu realmente recomendaria é o último, simplesmente sensacional, presente da minha amiga querida daniela vaz.

algumas frases, traduzidas por mim:

“um intelectual é só uma maneira de uma biblioteca gerar outra biblioteca.”

“nada que seja complicado o suficiente para ser realmente interessante pode ter uma essência.”

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em outubro, continuei tentando ler para a prisão liberdade, mas com pouco sucesso. continuei triste e disperso, e li um pouco de tudo.

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meu companheiro de estrada e outros contos, de maksim górki, 1894-1923, russo. 4out15. (tradução de bóris chnaidermann, 1961.)

depois de ler a antologia da hedra, em setembro, fiquei com tesão de ler mais górki e comprei essa antologia traduzida e organizada pelo bóris, uma das pessoas mais incríveis que já conheci.

quem me fez ler górki foi henry miller e serei sempre grato. poucas vozes na literatura mundial são tão cheias de vigor e vida quanto górki,

górki nunca é perfeito (talvez só na trilogia autobiográfica, sua obra-prima) mas todos os seus defeitos e falham emanam das suas grandes qualidades, do seu humanismo, da sua empatia, da sua expansividade.

dos grandes russos (puchkin, gogol, turgeniev, tolstoi, dostoievski, tchecov) ele é, ao mesmo tempo, o menor e o maior, o mais falho e o mais necessário.

é engraçado que eu já li e amo essa turma toda mas, a medida que vou envelhencendo, é ao górki que continuo voltando, mais que a todos os outros.

* * *

górki também é o poeta da força. dois contos desse livro, talvez os meus preferidos, têm esse tema.

em caim e artiom, o valentão da vila é salvo por homenzinho fracote e covarde, e passa a protegê-lo. em poucos dias, entretanto, ele acaba confessando que simplesmente não consegue respeitar a fraqueza do outro e que não vai mais protegê-lo.

em meu companheiro de estrada, que dá título ao livro, górki, então vagabundo andarilho, faz uma longa caminhada ao lado de um aristocrata que se perdeu da família e está sem dinheiro. ao longo de toda a viagem, o aristocrata faz pouco e humila o vagabundo que o está ajudando, mas górki simplesmente se recusa a ser humilhado. do seu ponto de vista, o aristocrata é como se fosse uma criança, incapaz de seu cuidar e sem saber o que fala. em outras palavras, górki se considera tão acima do homem que pretensamente está tentando humilhá-lo que nem ao mesmo responde e, pelo contrário, continua tratando-o com carinho.

é uma tática que venho usando por toda a minha vida com as pessoas que tentam me humilhar e me atacar.

obrigado, górki.

(para ler górki na internet, em inglês, clique aqui e aqui.)

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nietzsche, de jean granier, 2009, francês. 5out15.

um dos meus planos pros próximos meses é encarar a obra completa de nietzsche, relendo os que já li e lendo os que faltavam.

aí, estava na baratos da ribeiro, o melhor sebo do mundo, tinha crédito na praça, porque sempre vendo livros pra eles, e encontrei um desses livrinhos explicando nietszche. livrinho francês. traduzido pela denise bottman. (pensei, pelo menos, não vou me irritar com a tradução, já é um bom começo.)

na introdução, página 23, o explicador explica que nietszche é um filósofo complexo, cuja obra foi vilipendiada e distorcida depois dele morto, e que, por isso, deveríamos sempre tomar cuidado com citações da obra póstuma de nietsche e nos basear mais nos escritos publicados em vida.

ok, isso eu já sabia. basta ler o verbete do nietszche na wikipedia.

o capítulo imediatamente seguinte, página 31, é sobre o conceito de niilismo em nietszche.

adivinhem: o capítulo inteiro é totalmente baseado e cita quase que apenas justamente o livro póstumo de nietszche inventado por sua irmã: vontade de potência.

e eu, quase gritando em pleno saguão do aeroporto santos dumont:

“colega, você tá fazendo exatamente o que vc mandou não fazer cinco páginas atrás!!”

isso é que dá ler mastigadores.

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ecce homo. como alguém se torna o que é, de friedrich nietzsche, 1888, alemão. 6out15. (tradução de paulo cesar de souza, 1985.)

traumatizado pelo livro acima, li ecce homo na praia de copacabana e foi lindo.

alguns trechos:

“Erro … não é cegueira, erro é covardia… Cada conquista, cada passo adiante no conhecimento é consequência da coragem, da dureza consigo, da limpeza consigo… … O homem do conhecimento deve poder não somente amar seus inimigos, como também odiar seus amigos.” (Prólogo, §3, §4.)

“A noção de “pecado” [foi] inventada justamente com o seu instrumento de tortura, a noção de “livre-arbítrio”, para confundir os instintos, para fazer da desconfiança frente aos instintos uma nova natureza.” (Por que sou um destino, §8.)

“Paga-se muito caro ser imortal: é então forçoso morrer muitas vezes em vida. Há uma coisa que chamo rancor da grandeza; tudo quanto é grande, seja obra, seja acção, uma vez que se realiza, volta-se contra o seu autor. Só pelo facto de ter realizado, torna-se o autor inerme perante o que fez, já não lhe é dado olhá-lo de frente. E é como se tivéssemos atrás de nós alguma coisa que nunca desejámos fosse tal qual foi, alguma coisa que fica ligada ao próprio destino da humanidade – e de que nunca mais nos podemos separar!… É um peso incessante que quase nos esmaga… O rancor da grandeza!…” (Assim falou Zaratrusta, §5.)

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rio de janeiro. histórias de vida e morte, de luiz eduardo soares, 2015, português. 4out15.

livro desigual. alguns capítulos brilhantes, outros me peguei pulando. adoro tudo que o luiz eduardo escreve, sobre essa nossa cidade tão amada, tão clichê.

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voces de chernóbil: crónica del futuro, de svetlana alexievich, 1997, russo. 12out15. (tradução: ricardo san vicente, 2006.)

tenho me interessado mais e mais por história oral e é incrível ver uma praticante ganhar o nobel de literatura.

vou fazer o maior elogio que um escritor pode fazer: é um livro que eu gostaria de ter escrito.

não sobre chernobil, mas sobre nossas muitas tragédias próximas.

quem sabe sobre as tragédias cariocas narradas pelo luiz eduardo, no livro acima.

quem sabe, talvez eu ainda escreva.

(um outro texto que escrevi sobre esse livro fantástico.)

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a slight trick of the mind, de mitch cullin, 2005, inglês. 15out15.

não satisfeito em ser magneto e gandalf, ian mckellen agora também é sherlock holmes. um holmes idoso, de 93 anos, lidando com sua decadência física e mental.

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seu novo filme, que acabou de sair, “mr holmes”, 2015, de bill condon, é adaptação desse romance.

ambos são bem diferentes, mas o filme é superior, tanto por contar com dois atores que fazem a diferença (o próprio mckellen e a laura linney) como por clarificar e enfatizar alguns temas que ficam meio soltos em um livro que às vezes é excessivamente sutil.

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obedience to authority: an experimental view, de stanley milgram, 1974, inglês. 23out15.

em 1961, o psicólogo stanley milgram conduziu um famoso experimento, no qual pessoas recebiam recomendações de dar choques elétricos cada vez mais fortes em outras pessoas.

foram realizadas várias versões do experimento. em todas, a maior parte das pessoas deu o choque máximo.

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eu já conhecia o experimento, mas não sabia que milgram tinha escrito todo um livro para apresentá-lo, com todos os detalhes metodológicos e com muitas reflexões fundamentais.

li por recomendação da minha amiga diana goldemberg e foi uma das leituras mais importantes da minha vida.

muito que ainda estava solto na minha cabeça sobre obediência finalmente começou a fazer sentido. vai ser uma referência fundamental no livro das prisões.

para atiçar minha curiosidade, a diana mandou esse trecho:

“Many of the people studied in the experiment were in some sense against what they did, and many protested even while they obeyed. But between thoughts, words, and the critical step of disobeying a malevolent authority lies another ingredient, the capacity for transforming beliefs and values into action. Some subjects were totally convinced of the wrongness of what they were doing but could not bring themselves to make an open break with authority. Some derived satisfaction from their thoughts and felt that – within themselves, at least – they had been on the side of the angels. What they failed to realize is that subjective feelings are largely irrelevant to the moral issue at hand so long as they are not transformed into action. …

Predictably, subjects excused their behavior by saying that the responsibility belonged to the man who actually pulled the switch. This may illustrate a dangerously typical situation in complex society: it is psychologically easy to ignore responsibility when one is only an intermediate link in a chain of evil action but is far from the final consequences of the action. (…) The person who assumes full responsibility for the act has evaporated. Perhaps this is the most common characteristic of socially organized evil in modern society. (…) Beyond a certain point, the breaking up of society into people carrying out narrow and very special jobs takes away from the human quality of work and life. A person does not get to see the whole situation but only a small part of it, and is thus unable to act without some kind of over-all direction. He yields to authority but in doing so is alienated from his own actions.”

afinal, de nada adiantam bons sentimentos que não se transformam em boas ações: o que importa é o que a gente faz.

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tentei escolher alguns dos meus sublinhados mas foi impossível: meu livro está TODO sublinhado.

(sobre o experimento de milgram.)

* * *

a mesma ressalva de sempre

fazer listas de livros reforça uma ideia que considero muito problemática:

que “ler é bom”, que todas deveríamos “ler mais”, que ler é uma atividade intrinsecamente melhor do que a maioria das outras, etc.

mas ler um livro não é mérito, não é vantagem alguma, não é algo para se gabar.

mais importante, simplesmente ter lido um livro não significa que a pessoa leitora o entendeu, que tirou dele qualquer coisa de relevante, bela, prazeirosa ou útil.

listar os livros que eu li faz tanto sentido quando listar os vagões de metrô que eu viajei. (aliás, quase sempre, o 1022 e o 1026, que operam na linha um e são os últimos vagões de suas composições.)

e daí, não?

apesar disso, incrivelmente, as pessoas pedem e perguntam.

enfim, a verdade é que trabalho com livros. para mim, pessoalmente, esse tipo de lista é relevante e me ajuda a sistematizar as leituras.

então, apesar do efeito negativo de divulgar listas assim, aqui vão alguns dos livros que eu li em setembro e outubro de 2015.

* * *

convenções da lista: título, autor, data da escritura, idioma original. (organizador, tradutor, data da organização e/ou tradução) data da leitura.

2 respostas em “minhas leituras, comentadas, em setembro & outubro de 2015”

Alex, boa lista, o livro sobre o experimento de Milgram me interessou demais – também não sabia que existia um livro dele sobre o assunto! Listas assim (e resenhas) são sempre uma boa referência para buscar leituras novas…

…mas senti falta de comentários sobre as HQs. Não mereceram? :)

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