dirigir no rio com uma haole* é recuperar um pouco de uma noção do absurdo que já perdemos há décadas.
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ontem, quase meia noite, via binário.
sinal vermelho para carros, verde para pedestres.
uma mãe, com quatro filhos pequenos, está prestes a começar a atravessar a rua.
eu, de carro, começo a diminuir a velocidade para frear no sinal fechado.
já o ônibus ao meu lado, vindo a uma velocidade muito maior do que a minha, escolhe dar aquela característica buzinadinha que nem sei se existe fora do rio de janeiro e que significa:
“ó, maluco, estou avisando, de boa, que não vou frear, então, se você passar na minha frente, a culpa é sua se você morrer!”
a mãe, claramente uma nativa que entende os códigos locais, rapidamente agarra as quatro crianças que já estão com o pé no asfalto e as puxa para a calçada, ao mesmo tempo em que o ônibus passa raspando e rugindo.
minha namorada, um ser humano civilizado e não-carioca (ninguém é perfeita), fica completamente horrorizada com aquela cena tão comum:
“meu deus, você viu o que houve? o ônibus não atropelou quatro crianças por um triz… e o sinal estava aberto pra elas!!!”
e eu me peguei pensando:
“é verdade, não é que é errado isso?”
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voltamos ontem de viagem.
ser um carioca apaixonado e consciente é uma sensação estranha:
ao cruzar a divisa municipal e entrar na sua cidade querida…
você se sente feliz e aliviado de chegar em casa…
(na cidade mais legal e incrível do mundo!!!!)
…ao mesmo tempo em que sabe que suas chances de morrer vítima do trânsito ou da violência acabaram de triplicar.
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* haole = surfista de outra praia.
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se nao for fazer falta no leite das crianças…
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Assim, você estará me dando a possibilidade de criar novos textos, produzir novos argumentos, inventar novas ideias.