Uma aula de literatura é a aula mais democrática que existe.
Pela própria natureza da disciplina, não se trata de uma aula onde você tem uma mestra lá em cima magnanimamente distribuindo conhecimento e um grupo de pessoas alunas lá embaixo sorvendo tudo silenciosamente. Comparado com uma professora de História ou Química, tenho de fato muito pouco pra ensinar. Minha leitura de qualquer obra literária vale tanto quanto a de qualquer aluna.
A principal força-motriz que me arrasta pra sala de aula é a curiosidade sincera de saber o que as alunas vão falar sobre aquela obra que estamos lendo. Quase um terapeuta freudiano, eu estou em sala mais pra ouvir e guiar a discussão (e iluminar aqui e ali) do que de fato pra falar.
Em ordem decrescente de importância, eis aqui as minhas tarefas como professor de literatura:
1) Iluminar tudo o que já estaria iluminado para uma leitora contemporânea da obra. Pela distância temporal e espacial, muitas vezes a leitora não sabe coisas que o texto não diz porque presume que seriam óbvias. (Por isso, é impossível estudar literatura sem contextualizar a obra em sua cultura e época.)
2) Ensinar um certo tipo de raciocínio literário, como abordar a obra, como lhe fazer perguntas, como formular hipóteses, como ler as entrelinhas, etc, técnicas que são úteis por toda a vida.
3) Corrigir as hipóteses mais absurdas, que em geral estão erradas ou por anacronismo ou ignorância cultural (ver 1), ou por não estarem baseadas em evidências textuais (ver 2).
4) Conhecer a fortuna crítica para poder oferecer às pessoas alunas outras interpretações e leituras daquela obra ao longo dos anos e em outras culturas e, assim, enriquecer a discussão e estimular o debate.