Depois de muitas andanças, escolhi transitar entre pessoas, inteligentes e politizadas, para quem o amor é uma prioridade política, um gesto transformador, uma atitude revolucionária.
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Durante uma década, enquanto cursava mestrado e doutorado em literatura, todas as pessoas a minha volta eram muito inteligentes e politizadas, liam Foucault e Derrida, organizavam protestos e ansiavam por mudança.
Esse era o meu mundo.
Mais tarde, abandonei o doutorado, voltei ao Brasil, comecei a praticar Zen.
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A palavra religião vem do latim religare: pouco a pouco, a rotina do templo foi me reconectando à vida religiosa, a um linguajar religioso, a um modo religioso de pensar a vida, a sociedade, a política.
Em 2017, 60% das minhas leituras foram religiosas: o livro do ano foi a Noite escura, de João da Cruz, sobre as dificuldades espirituais no caminho cristão mas também, com pequenas mudanças, sobre o meu próprio caminho religioso no Zen.
Recuperei assim um contato antes perdido com o catolicismo, desde jesuítas e agostinianos até os grandes místicos cristãos, como os padres do deserto e Bernardo de Claraval, todas pessoas que também articulam o amor enquanto ação política.
Atualmente, as pessoas autoras que moldam meu pensamento são mais religiosas do que laicas, como Simone Weil e Agostinho de Hipona, Abraham Heschel e Franz Hinkelammert, David R. Loy e James R. Martin, Inácio de Loiola e Shantideva.
Aqui na minha mesinha de cabeceira, sendo lidos agora, estão Eu via Satanás cair como um relâmpago (1999), de René Girard, sobre violência simbólica nas religiões antigas, e o recém-lançado Elogio da sede (2018), do padre português José Tolentino de Mendonça, com as meditações que ele propôs ao Papa no Retiro de Quaresma desse ano.
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Para as pessoas de meu velho mundo acadêmico, o amor não era um tema válido, uma preocupação séria, uma prioridade política: pelo contrário, falar de amor era uma besteira, um capricho, uma bobagem. O amor, quando mencionado, era sempre amor romântico, amor alienado, amor cooptado:
“Crianças, crianças! Aqui, estamos falando de coisa séria, de mais-valia e de semiótica, de rizoma e de apropriação. Vão falar de amor lá fora, vão.”
Hoje, por outro lado, pratico e trabalho em um templo zen de Copacabana chamado Templo do Cuidado Amoroso Eterno, afiliado à Ordem dos Pacificadores Zen, ambas instituições atuantes no movimento do Budismo Engajado.
No templo ou na ordem, entre monges e ordenados, quando sentamos para resolver problemas e decidir questões, nossa preocupação é cuidar amorosamente umas das outras e de nossa comunidade.
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Quanto mais leio e quanto mais reflito, quanto mais luto e quanto mais envelheço, mais percebo que falar de luta política e de mudança social sem falar de amor e de cuidado é inócuo, é vazio, é inconsequente.
Da mesma maneira, falar de amor e de cuidado sem falar de luta política e de mudança social é pior que inócuo: é reacionário, é conservador, é conformista.
Por isso, depois de muito pensar, apesar de toda minha simpatia pelo partido, não me filiei ao PSOL e sim me ordenei Irmão em uma ordem zen.
Depois de muitas andanças, escolhi transitar entre pessoas, inteligentes e politizadas, para quem o amor é uma prioridade política, um gesto transformador, uma atitude revolucionária.
Esse hoje é o meu mundo.
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Todos os dias, ao meio-dia, faço os seguintes votos:
Os três votos da Ordem dos Pacificadores Zen
1. Praticar o não-saber, abrindo mão de certezas prévias.
2. Testemunhar a alegria e o sofrimento, não virando o rosto à dor alheia.
3. Agir amorosamente, de acordo com essas duas posturas.
Os quatro votos do Bodisatva
1. As criações são inumeráveis, faço o voto de libertá-las.
2. As ilusões são inexauríveis, faço o voto de transformá-las.
3. A realidade é ilimitada, faço o voto de percebê-la.
4. O caminho do despertar é insuperável, faço o voto de corporificá-lo.