Nunca vi nostalgia alguma que não fosse fundamentada numa sólida ignorância do passado.
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Andou circulando pela internet um pequeno documentário turístico sobre o Rio de Janeiro de 1936, “City of Splendor“, por James A. Fitzpatrick.
Como não escondo meu amor por minha cidade linda, muita gente me mandou o link, alguns nostálgicos (“poxa, como seria bom viver nessa época, né?”) e outros provocadores (“olha como era sua cidade e chora, malandro!”), mas todos presumindo como auto-evidente que, naquela época, o Rio era muito melhor.
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Então, para colocar tanto esplendor em perspectiva, alguns números do idílico Brasil de 1936:
— A renda per capita era um quinto da atual.
— A expectativa de vida era de 36 anos.
— 57% da população era analfabeta.
— A mortalidade infantil era de 150 por mil crianças. Hoje são 28 óbitos por mil.
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Nós, pessoas historiadoras, sempre achamos muito engraçado essa nostalgia pelo passado.
Qualquer uma que já estudou qualquer época com atenção sabe que o passado (qualquer passado) é uma merda comparado com a vida de hoje (qualquer vida).
Sim, ser homem branco rico no Rio do século XIX era melhor do que ser mulher pobre favelada no Rio de 2010, mas os brancos ricos da época caberiam num único condomínio de luxo hoje: eram pouquíssimos.
Não faz sentido comparar a situação da população média de hoje com a dos 0,3% mais ricos de antigamente — e, mesmo assim, seus indicadores de saúde seriam piores que os dos favelados atuais.
Dentre todos os períodos históricos em todas as civilizações, não consigo pensar em nenhum outro onde pessoas de todas as cores e gêneros e orientações sexuais tivessem tantos direitos, tanto controle sobre seu próprio destino, tanta saúde, tanta educação, onde houvessem tão poucas mortes violentas por crime ou guerra.
Literalmente em quase todo e qualquer indicador que possamos pensar e mensurar, seja objetivamente ou subjetivamente, o presente ganha do passado de goleada.
Para quem é historiadora, é muito difícil de entender tanta nostalgia por épocas tão violentas, incultas, e antidemocráticas, onde quase todo mundo morria de diarreia antes dos trinta.
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No recém-lançado Os anjos bons da nossa natureza: porque a violência diminuiu, o psicólogo Steven Pinker demonstra que vivemos na melhor das épocas.
Ao contrário do que dizia o seu avô, o mundo nunca foi tão pacífico.