Categorias
teatro

o efeito encolhedor da arte

Enquanto Zé Celso dava uma palestra sobre sua trajetória, eu chorava baixinho na platéia.

Pela primeira vez na vida, chorei de vergonha. Não vergonha pelo que não conquistei, porque a gente não controla o que conquista. Chorei de vergonha por tudo o que não fiz e poderia ter feito. Por todas as vezes em que priorizei o meu conforto e minha segurança pessoal em detrimento da literatura e da arte. Por cada vez que aceitei dar mais uma aulinha, pegar mais um frilazinho, fazer mais uma traduçãozinha, tudo pra poder ter mais um dinheirinho e poder dar mais uma consumidinha, e por cada capítulo do meu romance que não escrevi porque estava ocupado me vendendo. Por todos os meus amigos e leitores que acham que eu sou ó tão aberto e ó tão artista, ó tão verdadeiro e ó tão inconsequente, e não sabem, tolinhos, que perto de alguém como o Zé, eu me sinto o burguesinho da Barra da Tijuca que nasci pra ser e que lutei tanto pra des-ser, reprimido e bem comportado, careta e consciencioso, sempre preocupado com seu próprio futuro e com seu conforto pessoal, arre!

A simples presença de alguém como o Zé me diminui e me envergonha. Sua própria existência é a prova de que é possível ser como ele e, se você não é, é porque não quis, é porque em algum momento do caminho você pegou o caminho errado, virou à esquerda em direção ao MBA ou à direita em direção ao leasing do Audi.

Agora, de repente, aqui em frente ao computador, eu começo a rir, porque percebo que estou parafraseando os meus próprios leitores, plagiando o email semanal que eu recebo falando mais ou menos a mesma coisa em relação a mim, e que me fazem acreditar minimamente que meus esforços ainda valem a pena, que ainda posso fazer diferença na vida de alguém. E agora entendo também aquelas pessoas que, basta eu falar como eu vivo a minha vida, me atacam com cinco pedras na mão, como se eu tivesse falado de suas vidas, como se tivesse falado com elas, como se as tivesse criticado, como se minhas escolhas invalidassem as delas. Será que eu as diminuo assim como o Zé me diminui? Será que minha vida também lhes dá a sensação de terem feito tudo errado?

A diferença é que eu amo o Zé por isso. Perto dele, eu me sinto pequeno porque sou pequeno mesmo. E um artista como o Zé, que se entregou à sua arte com uma loucura dionisíaca, faz muito mais do que somente me encolher: ele também me levanta. Ele me mostra que é possível viver uma outra vida, que existem outras alternativas, que a arte pode mais.

Andando por Nova Orleans com Zé Celso, ele roubando mexilhões do meu prato e me apalpando sem vergonha alguma, mostrando a bunda em restaurantes e abordando estranhos na rua, subitamente me dei conta que eu, sempre tão cool e imperturbável, eu que nunca tive ídolos nem heróis, estava pela primeira vez na em presença de alguém que eu sinceramente, profundamente admirava.

E é assim que eu fico. Meio atordoado. Meio bobo. Minúsculo.

17 respostas em “o efeito encolhedor da arte”

“(…) filmes como “Edifício Master” e “Quanto Vale ou É Por Quilo” ainda não são de empolgar, mas simbolizam uma esperança.”

Ah é… é muito melhor e mais artístico e irreverente sair mostrando o cu pra todo mundo! Aí sim, há um valor na arte que não pode ser comparado a nada!

Não sei porque a comparação esdrúxula com Zé Celso. (Há a vontade de ser realmente como ele? Acabou a SUA originalidade, o SEU reinventar, que o máximo que se permite é a comparação? Que PENA…).

Particularmente estou cansado desses beberrõõõõõeeessss chorões que choram a “ausência de arte na contemporaneidade”. Ooohhh Deus, quanta bobagem! Até parece que no século XIX a população vivia o explendor artístico do universo. Acorda criatura! A população tava na merda! Esta mesma arte que você clama, era restrita a um círculo pequeníssimo. Como há hoje SIM, arte de altissima qualidade sendo feita e restrita (por inúmeros mecanismos que NÃO se limitam aos econômicos, embora sejam estes decisivos) a pequenos círculos.

Ah e mais uma coisa: se VOCÊ interpreta a ópera como arte de elite, tenha MUITO cuidado. A própria arte de Zé Celso não é mais do que acessível a um seletíssimo grupo, e portanto de elite. Mais de elite do que a própria ópera…

Que textinho mais cansado. Tenho cansaço de ler coisas assim…

Felipe,

vc não conseguiu pensar em algo mais condescendente não para tascar o nome de terapia?

Alex,
o paralelismo que vc traçou é semi-válido, o problema é a forma como vc o faz. (ou fazia… seus textos ultimamente andam tão diversos dos primeiros que li, que é até bonito revisitá-los)

Abraços,

“Andando por Nova Orleans com Zé Celso, ele roubando mexilhões do meu prato e me apalpando sem vergonha alguma, mostrando a bunda em restaurantes e abordando estranhos na rua”

pelo amor de deus, alguem avise este senhor que ele ja passou da idade de querer pagar de liberalzão por aí… simplesmente patético e nojento. acordem pra vida.

Caro colega, relaxa!

Eu não consigo discordar diametralmente nem argumentar ponto a ponto contra o seu texto, um dos mais olho-no-olho que eu já li nos seus sites. Gostei e concordo. Mas não concordo, porque acabei psicanalisando seu texto.

Eu sou escritor (mas bem menos escritor que você) e produtor cultural, então eu vejo muito disso acontecendo. Vejo muita gente recontando as mesmas histórias, tocando as mesmas músicas e reescrevendo as mesmas idéias. Também vejo muito de retomada dos clásicos (como se fosse necessário!) e o que é pior, muita comercialização barata dos clássicos. Mas o que me preocupa mesmo, e o que eu vejo bastante também, é o endeusamento da arte e isso, colega, me preocupa em você.

Agora começa a sessão de terapia. Eu entendo perfeitamente o sentimento de dar de cara com algo assim tão assombrosamente genial, tal como escutar uma orquestra de mais de 120 músicos tocando Beethoven. É poderoso. Mas ao mesmo tempo é pequeno. A arte é pequena pois cabe dentro do homem. Não foi de lá que ela saiu?

E mesmo que a arte seja grandiloqüente como alguns artistas precisam que ela seja, não há arte no pequeno, no econômico? Não foi sensacional o Dadaísmo? O Bauhaus? O mais pelo menos?

Não se desgaste tentando chegar aos pés do Zé Celso porque ele fez as escolhas da vida dele que permitissem chegar até onde ele chegou abrindo mão de uma tonelada de outras coisas que provavelmente não tenham tanto a ver com conforto. A maioria dos artistas abriu mão de coisas bem terrenas que o resto das pessoas encara não pelo conforto mais pela responsabilidade para com si mesmo e com os outros (cônjuges, irmãos, filhos…). Tem tanto artista pra lá dos 50 anos que eu converso que não é capaz de controlar gastos do dia a dia (supermercado, escola dos filhos), que não é capaz de licenciar o carro.

O seu caminho me parece mais racional (como o meu, como escritor). Eu já mandei a literatura se escafeder e vou pro buteco, sem crise. E a literatura que eu faço é do meu tamanho, no more, no less. A sua é do seu tamanho e muda a vida de muita gente.

Mas, se for algum consolo, você ainda pode mudar seu rumo de vida, abandonar as coisas terrenas e comezinhas e entrar nesse caminho de neurose obsessiva com o fazer da arte em busca de algo cada vez maior. Sim, dá tempo se você quiser. Mas, a julgar pelos meus amigos artistas avançados nos anos, duas coisas tem que entrar em questão:

1. Os maiores dos maiores morreram pobres ou loucos ou dependentes químicos de um monte de coisa, quando não a soma dos três fatores e

2. Nenhum artista se satisfaz com o produto da sua arte.

E isso encerra a nossa sessão.

Eu colocaria em negrito este trecho: “faz muito mais do que somente me encolher: ele também me levanta”. Se a gente se sente diminuído e envergonhado com alguém, a gente tem que enxergar esse outro lado, o de se inspirar nele. Muito bonito o post. Com o tempo eu fui aprendendo a admirar pessoas com qualidades que eu não tenho, por ex. dançar, fazer teatro, pessoas extrovertidas sem exageros. Pessoas que a gente escolhe para se inspirar. É libertador ficar feliz simplesmente por ver que EXISTE gente assim. Mesmo que vc se ache um ninguém, vc pode ser alguém para alguém. (Alex, vc tem umas sobrancelhas lindas)

“Você tem vergonha da câmera Alex? Nas suas fotos você parece uma cara tão introvertido.”

Yep.Eu iria fazer um comentário mais ou menos parecido, com a ressalva de que, nestas duas fotos, eu vejo quase que um imaginário invólucro despegando-se (referência frustrada ao poema do Pessoa ;p) ao contágio com a energia maravilhosa dessa galera.

Adorei isso aqui: “uma rebeldia ignorante que retrabalha contestações às vezes centenárias como se fossem inéditas”. Me parece ainda mais deprê do que ser apenas respeitoso com o cânone. :)) A arte está nesse impasse há algumas décadas, naquilo que alguns chamam de pós-moderno, pós-histórico, neomoderno e outros apelidos. Espero que esta adolescência passe logo. A propósito, já leu Arthur Danto (“Após o fim da arte”)?

“por um lado, uma adesão cega e automática aos estilos e gêneros consagrados, e, por outro, uma rebeldia ignorante que retrabalha contestações às vezes centenárias como se fossem inéditas. Não é à toa que me escondo no século XIX: o XXI me deprime.”

Ok, mas se refugiar no século dezenove pode te fazer recair nos erros dos teus contemporâneos, te agarrando no já consagrado e retrabalhando contestações centenárias.

Alex,
que encantador teu texto! como os outros todos!
E que alegria imensa ler o elogio destemido ao Teatro Oficina, completado coma imagem da Carla, quem conheci na Croácia há dois anos atrás.
O exercício da liberdade é árduo e cheio de armadilhas!

Impossivel ler esse texto e não lembrar de um trecho de “Tabacaria” do Fernando pessoa (Álvaro de campos)

“…Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido…”

Você tem vergonha da câmera Alex? Nas suas fotos você parece uma cara tão introvertido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *